Folha de S. Paulo


Ex-reduto democrata vira enclave de Trump em Ohio

A equipe da democrata Hillary Clinton entrou em contato com o Golden Dawn, bar que existe desde 1934 na cidade de Youngstown, para realizar um evento de campanha nesta semana. O Golden Dawn é parada obrigatória para os candidatos que querem conquistar o arredio voto da classe operária branca.

Mas a maioria dos habitués desse bar cheio de operários e de neon colorido se preparava para boicotar o evento da democrata. "Venho aqui todos os dias há mais de 20 anos, mas se ela vier eu não vou aparecer, não posso nem ver a cara dela, ela deveria ir é para a prisão", diz o motorista de caminhão Billy Humble, 69. Hillary acabou desistindo da visita.
Youngstown, cidade que sempre foi reduto dos democratas, transformou-se em bastião do Trumpismo nessa eleição. A cidade faz parte do distrito mais pró-Trump de Ohio, estado crucial para as eleições. Desde 1964, todos os candidatos eleitos para a presidência dos EUA ganharam em Ohio.

Na média de pesquisas compiladas pelo RealClearPolitics, o republicano Donald Trump tem 46% das intenções de voto no estado, contra 43% de Hillary.

Editoria de arte/Folhapress

Neste ano, 6 mil eleitores democratas "viraram a casaca" na cidade nas primárias: trocaram seu registro e votaram no candidato republicano, Donald Trump. Várias placas de "Salve a América" e "Mude de lado e vote em Trump" estão espalhadas por Youngstown.

A cidade se tornou símbolo do Cinturão da Ferrugem, região que abrange partes de Michigan, Pensilvânia, Ohio e Virgínia Ocidental. Lá, havia enorme concentração de usinas siderúrgicas e outras indústrias até os anos 80, mas a região passou por um profundo processo de desindustrialização diante da competição estrangeira.

Em 1960, tinha 160 mil habitantes. Hoje tem 65 mil. Os jovens deixam a cidade para fazer faculdade e não voltam, porque não há trabalho. O desemprego está em 9% e 37% da população está abaixo da linha da pobreza.

A última indústria a ir embora foi a Parker Hannifin, que fabricava bombas de engrenagem hidráulica. Passou parte das operações para o México neste ano. Serão mais 130 empregos perdidos.

Eleitores de todo o Cinturão da Ferrugem se ressentem dos políticos tradicionais.

E os democratas capricharam nas bolas fora nos últimos tempos. Durante a campanha de 2008, o presidente Barack Obama disse em um evento fechado: "Nessas cidades pequenas na Pensilvânia e no Meio Oeste, os empregos sumiram 25 anos atrás e não houve nada para substituí-los. Não é surpresa que eles fiquem amargos, apeguem-se à religião, às armas ou ao sentimento anti-imigrante e anti-comércio."

A gafe de Hillary, ao dizer que metade dos eleitores de Trump são deploráveis e xenófobos, também se referia a essa população.

Trump explora os medos e ansiedades da população do cinturão da Ferrugem e a percepção de que Washington ignora os problemas da região.

"Em 30 anos no governo, a Hillary não fez nada, Trump é um empresário eficiente e vai impedir os imigrantes de entrarem no nosso país", diz o aposentado Sonny di Carlo, 78. Ele nunca votou na vida, mas desta vez se registrou, na esperança de eleger Trump.

"As pessoas não estão nem aí com o que o Trump falou no ônibus sobre uma mulher, eles estão ocupados indo para seu segundo emprego, buscando o filho no futebol, tentando ter dinheiro para melhorar suas vidas", disse à Folha John McNally, prefeito (democrata) de Youngstown. "Trump tem uma mensagem muito simples: eu consigo fazer isso, eu vou rasgar esses acordos comerciais , eu conheço o Estado Islâmico melhor que os generais; nada disso é factível ou verdadeiro, mas as pessoas querem acreditar."

Segundo John Russo, co-fundador do Centro para estudos da Classe operária na Universidade Estadual de Youngstown, o eleitorado de Trump não se limita aos operários brancos, abrange também grande parte da classe média branca. "Essa classe média agora tem a mesma ansiedade econômica da classe operária; mesmo que não estejam na pobreza, compartilham com os operários o sentimento de que sua vida vai piorar nos próximos anos e seus filhos vão sair da faculdade endividados com empréstimos escolares e com poucas chances de arrumar um bom emprego. E o racismo é um dos fatores - eles culpam o outro, seja o negro, o hispânico ou o imigrante, pelo declínio econômico."

Convenciona-se classificar como classe operária aqueles que só concluíram o ensino médio ou menos. Já a classe média tem pelo menos dois anos de ensino superior.

Nos anos 80 e 90, houve perda de empregos entre operários brancos porque as indústrias fecharam. A partir do ano 2000, a classe média começa a perder o emprego por causa de tecnologia e terceirização.

"Tanto o candidato democrata Bernie Sanders, também opositor ferrenho de livre comércio, quanto Trump, têm grande apelo populista entre esse eleitorado."

Aqui, o Nafta, Parceria TransPacífico ou qualquer acordo comercial é mais odiado do que o terrorista Osama bin Laden.

Trump promete renegociar ou romper acordos comerciais, taxar produtos chineses e trazer de volta os empregos de empresas que transferiram suas operações para o exterior. Hillary chegou a dizer que o TPP era o "gold standard" dos acordos comerciais, mas voltou atrás e agora não mais apoia o tratado.

Com suas mãos sujas de graxa e bigode branco, Mark, 75, que não quis dar seu sobrenome, tomava uma cerveja e mascava tabaco no Golden Dawn. Ele trabalhava em uma siderúrgica que fechou. Agora tem um emprego em uma empresa de descontaminação ambiental. "Eu trabalho o dobro para ganhar o mesmo salário", conta. "Obama não fez nada por mim. O livre comércio está nos matando, os custos do Obamacare estão subindo, os bons empregos estão indo para o exterior; se a Hillary ganhar não vou conseguir me aposentar nunca."

"Se você visse essa cidade antes, era linda; na época, você perdia um emprego e logo arrumava outro", diz seu colega Brad Johnson,47, que também trabalhou em uma siderúrgica. "Mas nosso governo expulsa as empresas com impostos e regulamentações demais."

Tracy Winbush é vice-presidente do partido republicano do condado de Mahoning, onde fica Youngstown. Ela substituiu Kathy Miller, que foi afastada após fazer comentários racistas em um vídeo e dizer que o movimento negro Black Lives Matter "é uma estupidez e uma perda de tempo."

"Eu nunca vi uma febre como essa com um candidato republicano. Em 2012, nós fizemos mil cartazes do Mitt Romney, mas sobrou. Este ano, fizemos 7 mil e acabaram todos, todo mundo quer", diz Tracy, que é negra.

O republicano recebeu apoio (e não repudiou) o líder da Ku Klux Klan, David Duke.

"Eu não acho que Trump é racista, ele é só ignorante, não conhece os temas que nos afetam. E, de mais a mais , o Nixon (Richard Nixon) era o maior racista, mas suas políticas foram ótimas para os negros, como o Equal Opportunity Employment Act." Segundo ela, o grande problema é que Hillary é uma "globalista".

Para David Betras, presidente do Partido Democrata no condado, qualquer candidato que falsse mal de comércio seria popular em Ohio.

"Mas as pessoas se esquecem de que foram os democratas que resgataram a indústria automobilística depois da crise de 2008 e salvaram milhares de empregos. Se fosse o Trump, ia deixar quebrar. Quando ele teve chance de dar emprego a operários americanos, preferiu comprar seu aço da China", diz Betras.

Incapazes de reverter a globalização, ONGs e políticas tentam usar medidas para amenizar os efeitos da desindustrialização na região.

A região de Homestead, na Pensilvânia, abrigava várias usinas siderúrgicas que foram fechando a partir dos anos 80. Hoje, tem o cenário típico das cidades empobrecidas da América - lojinhas que descontam cheques, locais que alugam móveis e eletrodomésticos, casas de penhores, sex shops e clubes de strip tease. Há milhares de casas abandonadas.

A Mon Valley Initiative compra essas casas, reforma e revende a preços camaradas, como forma de revitalizar a região. A ONG também treina trabalhadores para que eles possam arrumar empregos. "Mas não é realista achar que vai pegar um torneiro mecânico de 60 anos e transformá-lo em um especialista em alta tecnologia, como propõem alguns políticos", diz Jason Togyer, gerente de comunicações da Mon Valley Initiative.


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