Folha de S. Paulo


opinião

Por que Trump continua no páreo

Carlo Allegri /Reuters
Donald Trump, candidato republicano à Presidência dos EUA, em comício de campanha em Charlotte, na Carolina do Norte, nesta quarta
Donald Trump, candidato à Presidência dos EUA, em comício em Charlotte, na Carolina do Norte

Embora as pesquisas sugiram que Donald Trump não vá chegar à Casa Branca, muitas pessoas, nos EUA e no exterior, não conseguem entender como esse demagogo chegou tão inusitadamente perto do poder.

Trump tornou-se o candidato republicano em grande medida porque explorou o sentimento de revolta dos americanos de classe trabalhadora, os mais duramente atingidos pela crescente disparidade de renda nos EUA. Ironicamente, essa disparidade é fruto das políticas de desregulamentação fiscal e do mercado adotadas por republicanos —de Ronald Reagan a George W. Bush—, que beneficiam os ricos.

A disparidade foi ampliada pela economia mais globalizada e a crise financeira de 2008, não pelo presidente Obama, como Trump alega.

Os evangélicos, uma força eleitoral crescente, aderiram a Trump porque ele se opõe ao aborto e promete nomear para a Suprema Corte juízes conservadores que votariam por sua proibição.

O Tea Party, um movimento marginal republicano e racista que começou em 2009 como reação contra Obama e o "big government" (Estado inchado), também aderiu a Trump, atraído por sua xenofobia.

O republicano navega numa onda global de populismo que busca respostas simplistas a problemas complexos, como a imigração ilegal. Sua promessa de construir um muro na fronteira entre EUA e México e de proibir muçulmanos de ingressar no país agrada aos populistas xenófobos. Esse fervor anti-imigrantes também cresceu na Europa, onde partidos populistas desfrutam de popularidade recorde.

O populismo econômico, em oposição ao xenófobo, também permitiu ao socialista Bernie Sanders ser um rival sério de Hillary Clinton na disputa democrata. O quixotesco Sanders propunha agenda progressista, mas simplista (desde universidades públicas gratuitas até saúde universal gratuita), que sabia que o Congresso jamais aprovaria.

Apesar da onda populista que carrega Trump, o caminho dele para a vitória é muito estreito, porque ele já ofendeu eleitores demais.

Basta perguntar a hispânicos e negros, que, juntos, representam mais de 28% do eleitorado americano, além das mulheres brancas e com instrução universitária, enojadas com a misoginia de Trump, em especial uma gravação em que ele é ouvido gabando-se de agressões sexuais. Embora Hillary lidere por uma margem pequena em quase todas as pesquisas nacionais, ele ainda está muito atrás dela nos votos do Colégio Eleitoral, necessários para vencer a disputa.

E, embora a pouco carismática Hillary precise convencer a base de seu partido a votar, Trump precisa ampliar sua base, algo que é muito mais difícil, especialmente nos poucos dias que faltam para a eleição.

Mas, mesmo que Trump perca, o trumpismo vai pairar como uma nuvem escura sobre a paisagem política americana. Cedo ou tarde, outro oportunista republicano, propondo a mensagem populista de Trump mas sem se indispor com tantos eleitores quanto ele, vai tornar-se politicamente palatável o suficiente para chegar à Casa Branca. É apenas questão de tempo.

MICHAEL KEPP, jornalista americano radicado há 33 anos no Brasil, é autor de "Um Pé em cada País" (Tomo)


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