Um dos cidadãos que levaram o governo britânico à Justiça para transferir o "brexit" ao Parlamento é um cabeleireiro brasileiro residente em Londres.
Deir dos Santos é representado pelo advogado Dominic Chambers, que confirmou a informação à Folha. Santos, no entanto, não respondeu aos pedidos da reportagem por uma entrevista.
Segundo o advogado, ele prefere não expor-se pra evitar eventuais abusos. Chambers já havia descrito Santos como "apenas um cara normal", no início do processo.
A ação levou a Justiça a decidir nesta quinta-feira (3) que cabe ao Parlamento, e não ao governo, dar início ao divórcio entre Reino Unido e União Europeia.
Santos seria, assim, um dos responsáveis por atrasar ou mesmo inviabilizar a saída britânica. A outra parte é a empresária Gina Miller.
Segundo a Folha apurou, Santos tinha em seu nome uma empresa no Brasil chamada Alhomatic. Os registros, de 2014, não especificam o ramo de atividade. Não está claro quando migrou ao Reino Unido nem como obteve a cidadania.
Ele divulgou uma nota nesta quinta-feira afirmando não ter desafiado o resultado do referendo em si, mas a decisão do governo de não consultar os legisladores. Ele próprio votou pelo "brexit".
Niklas Hallen - 3.nov.2016/AFP | ||
David Greene, um dos advogados de Deir dos Santos, lê uma declaração de seu cliente em Londres |
"Eu votei pelo 'brexit' porque queria que o poder fosse devolvido pela Europa ao Parlamento britânico", disse.
Sua ação, assim, não tem como objetivo impedir a saída britânica, mas garantir que o processo seja feito de maneira "legal" e "justa".
DIREITOS
Há outros grupos pedindo que o Parlamento decida o "brexit". A Folha conversou recentemente com Grahame Pigney, líder do Desafio do Povo. Ele afirmou que o Parlamento decidiu a entrada do Reino Unido na União Europeia e, portanto, cabe apenas aos legisladores anular a sua própria decisão.
A saída significaria, afinal, a perda de direitos a milhões de cidadãos, como a movimentação dentro do bloco.
A sentença desta quinta-feira não é definitiva. O governo britânico já afirmou que vai apelar à Suprema Corte. Há audiências previstas ao início de dezembro.
Mas a sentença é uma séria derrota para Theresa May, premiê britânica, e pode atrasar seus planos de separar o Reino Unido da União Europeia. O divórcio foi votado em 23 de junho.
May havia anunciado que iria acionar o Artigo 50 do Tratado de Lisboa até o final de março de 2017, dando início formal à saída, um processo de dois anos de duração. Mas essa ação pode caber agora ao Parlamento, em parte devido à ação de Santos.
A decisão dos legisladores leva a uma situação por ora imprevisível. Mesmo que contrários à saída, não se sabe se eles de fato desafiariam o resultado do referendo de junho e cancelariam a ruptura com a União Europeia
Jeremy Corbyn, líder trabalhista, afirmou que diante desse julgamento o governo deve sem demora informar o Parlamento a respeito de seus planos de negociação.
"O Partido Trabalhista respeita a decisão do povo britânico de deixar a União Europeia. Mas deve haver transparência", disse.
Nigel Farage, o ex-líder do Ukip (Partido da Independência do Reino Unido) e um dos principais entusiastas pela saída britânica, afirmou por sua vez temer que os eleitores sejam "traídos".
Farage disse à uma rádio britânica que "nós podemos estar no início de um processo em que existe uma tentativa deliberada por parte de nossa classe política de trair 17 milhões de eleitores."