Folha de S. Paulo


Ku Klux Klan transfere ódio de negros para migrantes e endossa Trump

Resíduo de uma ideologia supremacista popular nos EUA dos séculos 19 e 20, a Ku Klux Klan (KKK) se sente enfim justiçada.

"Ter um presidenciável dando voz às mesmas preocupações que nos pautam por anos, e o apoio tremendo que ele tem Mostra que não somos extremistas e que nossas crenças são mais 'mainstream' do que muitos gostariam de admitir", diz à Folha Rachel Pendergraft, porta-voz da organização que no passado linchava negros e os pendurava enforcados em árvores (daí os "frutos estranhos" cantados por Billie Holiday em "Strange Fruit").

É de Donald Trump que Pendergraft fala. Há duas semanas, o republicano foi endossado pelo jornal oficial da KKK, "The Crusader": "Trump quer fazer a América ser grandiosa de novo. O que a fez assim em primeiro lugar? A América foi grandiosa não pelo que nossos antepassados fizeram, mas pelo que eram. Uma República Cristã Branca".

Deportação em massa de imigrantes ilegais e um muro em toda a fronteira sul dos EUA são ideias que fizeram supremacistas amolecer por Trump, antes criticado por se associar a "não brancos" quando apresentava um reality e era dono de concursos de miss.

A projeção de que os EUA deixarão de ter maioria branca (hoje 66% da população) até 2055, para Pendergraft, é "um genocídio".

E hoje a imigração latina seria a maior ameaça à identidade branca. Ela e o "complexo de culpa que querem nos impor", diz. "É terrível que tantos brancos sintam que devam se autocensurar."

A porta-voz não informa o tamanho atual da KKK, que já teve em suas fileiras presidentes (como Harry Truman) e o escultor do monte Rushmore.

Em 2016, seu ex-líder David Duke concorre a uma vaga de senador pela Louisiana.

Uma vez por ano, Pendergraft celebra as raízes do grupo usando seus famosos roupões brancos, mas evita o capuz por não ter "o que esconder". Ex-"cheerleader", conta que sempre foi popular e que sua filiação "nunca incomodou ninguém".

Seu discurso espelha mensagens em outdoors na cidade-sede do grupo, no Arkansas. Uma delas: "NÃO é racista amar sua gente". Em Harrison, 97% dos 12 mil residentes são brancos.

Há 18 anos à frente da KKK, o autoproclamado pastor Thomas Robb, pai de Pendergraft, apresenta o programa on-line "White Resistance News". Na edição de 14/10, chamou uma jornalista da BBC de porca "não só por seu visual, mas pelo que é", e frisou que "ela é judia, não que isso faça diferença".

Seu alvo: Jenni Murray, que recomendara a adolescentes que analisassem filmes pornô "como se fossem um romance de Jane Austen". "Nunca li. É pornográfico?", Robb pergunta sobre a autora de "Orgulho e Preconceito".

'MISTURA ERRADA'

O filho de Pendergraft, quando criança, transmitia os ideais da família em "The Andrew Show", no YouTube. Ali falou sobre a primeira heroína negra da Disney, de "A Princesa e o Sapo". "O príncipe é branco, mas a mistura de raças é errada", diz o garoto com cabelo cor gema de ovo.

Sua mãe diz desejar "o melhor para [não brancos] em seus próprios países". A morte de agentes no Texas e na Louisiana, por jovens enfurecidos com a violência policial contra afroamericanos, escapa à compreensão de Pendergraft. "Quando a lei e a ordem brancas eram respeitadas, as comunidades negras eram mais seguras."

Trump diz repudiar qualquer apoio de supremacistas. Seu histórico nesse campo é controverso. O primogênito, Donald Trump Jr., dividiu em março um programa de rádio com um convidado que descrevia "sexo interracial como genocídio branco". Dias antes, o pai demorou a rechaçar o apoio de David Duke, que já teve o título de "mago imperial" na KKK.

Por anos Trump questionou se o primeiro presidente negro do país realmente era americano, tese abraçada por "puristas", mesmo após o havaiano Barack Obama mostrar sua certidão de nascimento.

Na convenção republicana, em julho, o telão exibiu tuíte do "pró-branco" @Western_Triumph: "Trump está com a gente".


Endereço da página: