Folha de S. Paulo


Filme 'Michael Moore in Trumpland' não é realmente sobre Trump

Se a notícia de que o documentarista Michael Moore lançaria um filme inesperado intitulado "Michael Moore in TrumpLand" o levou a esperar um ataque divertido e frontal contra Donald Trump, prepare-se para ficar decepcionado.

Moore, um dos provocadores mais conhecidos do cinema, parece não estar nem um pouco interessado em provocar ninguém com este novo trabalho, que teve sua première, organizada às pressas, na noite de terça-feira no IFC Center, em Manhattan. O filme não é um ataque a Trump, mas uma ode à adversária dele na disputa pela Presidência, Hillary Clinton.

Filmado ao longo de duas noites no início deste mês em Wilmington, Ohio, o filme capta uma apresentação ao vivo de Moore sobre o palco em uma cidade fortemente favorável a Trump (embora não tenha sido esse necessariamente o caso da plateia para a qual ele se apresentou).

Moore tem o dom de penetrar na toca do leão e cutucar o bicho, mas não foi o que ele fez neste caso. Ele começa com algumas piadas autoirônicas sobre liberais (ele foi partidário de Bernie Sanders nas primárias democratas) e depois inclui algumas farpas leves contra Trump, mas nada que pudesse levar alguém a abandonar o recinto ou gritar para fazê-lo se calar.

Andy Kropa/AP
O cineasta Michael Moore, diretor de
O cineasta Michael Moore, diretor de "Michael Moore in TrumpLand"

O formato de humor "stand-up" –piadas sem muita graça; Moore não é nenhum George Carlin –dá lugar a uma parte que parece um discurso na formatura de uma turma universitária, até Moore chegar ao seu verdadeiro objetivo, que é manifestar apoio a Hillary.

Ele a compara ao papa Francisco –algo que vai irritar os detratores da candidata–, mas não por motivos religiosos. O papa, diz Moore, vem sendo surpreendentemente ativista desde que se tornou pontífice. Moore argumenta que Francisco teria passado décadas aguardando paciente e discretamente por sua oportunidade, que ele agarrou assim que alcançou o posto de papa. Também Hillary Clinton, diz ele, aguarda há anos por sua vez. Moore fantasia que, se for eleita, Hillary possa dar rédeas soltas ao idealismo represado que ela conserva desde a faculdade, resultando em uma onda de novas leis históricas, algo capaz de remeter aos famosos primeiros cem dias de Franklin D. Roosevelt na Presidência.

Com certeza, quem sabe. Ou não. Basicamente Michael Moore fez um filme de campanha pró-Hillary Clinton, sério, mas não muito divertido, engraçado em alguns momentos e profundamente sincero quando ele trata do tema do acesso universal à saúde e das vidas perdidas devido à falta desse acesso. Comparado ao resto de sua obra ("Tiros em Columbine", "Roger e eu"), é um material bastante morno.

Mas, se "Michael Moore in TrumpLand" não choca nem enfurece, o filme é acidentalmente revelador. A apresentação em Wilmington foi filmada no momento em que a fita de 2005 que captou Trump falando sobre apalpar mulheres estava chegando aos noticiários; o material que Moore trabalha no palco não contém qualquer menção àquela controvérsia, que desde então tomou conta da campanha presidencial.

Assim, no momento atual, seu filme é no mínimo um contraste marcante com tudo o que vem sendo veiculado nos últimos 15 dias. É surpreendente ouvir alguém elogiando as qualidades positivas de uma candidata, em lugar de apenas repisar o que o adversário tem de errado. Ou seja, é surpreendente ouvir por que deveríamos eleger alguém, em vez de por que não deveríamos.

Tradução de Clara Allain


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