Folha de S. Paulo


Guias sírios oferecem excursões à Berlim dos refugiados

Quando o guia turístico Firas Zakri o leva a uma excursão por Berlim, não espere ver o Portão de Brandemburgo, a famosa torre de TV da cidade ou outros marcos históricos da capital alemã.

Para começar, Zakri não marca seu encontro com os grupos que guia no bairro de Mitte, o distrito turístico de Berlim. Em lugar disso, o ponto de partida é uma esquina de aparência dúbia em um movimentado bairro de imigrantes. Lá, em meio a casas de penhores decadentes e barracas gordurosas que vendem kebabs, o refugiado sírio Zakri, 34, começa a oferecer aos turistas sua visão muito pessoal de Berlim.

Zakri é um dos quatro refugiados que trabalham como guia turísticos na "querstadtein", ou "através da cidade", uma organização sem fins lucrativos que surgiu oferecendo excursões a Berlim guiadas por antigos moradores de rua. Este ano, reagindo ao crescente número de refugiados e imigrantes que chegaram na Alemanha em 2015, a organização adicionou à sua equipe pessoas que chegaram ao país em busca de asilo, e criou uma nova excursão pela Berlim dos refugiados, que inclui visitas a abrigos, restaurantes sírios e outros pontos relevantes.

"Nosso objetivo era dar um rosto aos refugiados, personalizá-los —especialmente em uma época em que tanta gente fala em 'ondas' ou 'inundação' de refugiados", disse Tilmann Hoeffken, gerente de projeto da "querstadstein".

Como os moradores de rua, os refugiados muitas vezes ficam isolados dos demais moradores da cidade, uma distância que a organização está buscando reduzir ao aproximar pessoas que cruzam seus caminhos nas ruas sem formar conexões, disse Hoeffken.

As excursões também buscam mudar perspectivas ao convidar os participantes a ver Berlim pelos olhos dos recém-chegados. Escolas e empresas assinaram para participar, e não só grupos de turistas. As excursões de provaram tão populares que a "querstadstein" está planejando contratar novos refugiados como guias, segundo Hoeffken.

Zakri chegou à Alemanha em junho de 2015 como uma das 890 mil pessoas em busca de asilo que ingressaram no país no ano passado, em busca de segurança contra a guerra e as dificuldades em nações como a Síria, Iraque e Afeganistão.

Ele não fala muito alemão, mas quando o assunto é mostrar aos turistas a Berlim dos refugiados, se considera especialista.

"Quero abrir os olhos das pessoas e lhes mostrar quem somos nós, os refugiados", disse Zakri, que conduz suas excursões falando inglês.

Em uma recente excursão para um grupo de designers, artistas e estudantes, recentemente, Zakri mostrou ao grupo alguns dos pontos mais importantes da cidade para os refugiados: os bons restaurantes sírios.

"É claro que os imigrantes turcos vendem kebabs nesta cidade há muito tempo", disse Zakri, com um sorriso brincalhão. "Mas eles de jeito nenhum são tão bons quanto um verdadeiro kebab sírio".

Os novos restaurantes e padarias que surgiram no bairro imigrante de Neuköln são um dos destinos preferenciais dos milhares de sírios saudosos e em busca de asilo que no momento vivem sob uma dieta de refeições chochas e produzidas em massa nos abrigos de refugiados de Berlim.

E por isso Zakri leva os turistas ao restaurante Shaam, onde homens jovens estão sentados às mesas devorando grandes pratos de húmus com grão de bico, tahini e muito azeite, ou comendo sanduíches de pão sírio enrolado com kebab de frango, tomates e salsa.

Não há tempo para que os turistas peçam uma refeição porque Zakri se apressa a conduzi-los à próxima parada: uma antiga loja de departamentos transformada em abrigo improvisado para centenas de refugiados. Em seguida, o grupo volta à rua repleta de lixo onde Zakri faz uma parada para falar sobre ele mesmo e o que significa ser refugiado.

Parado na chuva sob os velhos limoeiros, Zakri mostra fotos plastificadas de sua cidade natal, Aleppo. Ele mostra as imagens da antiga cidade e de comerciantes vendendo panelas de cobre em um mercado que era famoso antes de ser devastado por bombas de fragmentação e foguetes.

"Eu também tive uma vida normal, um dia", diz Zakri ao grupo, "Trabalhava como professor de inglês, minha mulher era bancária, e tínhamos um filho pequeno, uma casa. Nossa vida era boa".

Agora, depois de cinco anos de guerra mortífera na Síria, sua casa foi destruída. Sua mulher e filho não conseguiram vistos para a Alemanha e estão vivendo com parentes em Dubai.

Zakri, ajeitando o ombro de seu casaco azul e cinzento para se proteger do frio, acrescenta que, depois de mais de um ano na Alemanha, seu pedido de asilo ainda está tramitando. Tornar-se um refugiado não é escolha que alguém faça voluntariamente, diz, e ele se incomoda quando os imigrantes são retratados como terroristas ou aproveitadores.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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