Folha de S. Paulo


Após Nobel da Paz, Santos tentará unir a oposição e as Farc em novo acordo

Com a prorrogação do cessar-fogo bilateral entre o governo e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) até 31 de dezembro, o presidente Juan Manuel Santos quer ganhar tempo para tentar salvar o documento de 297 páginas acordado entre as duas partes, depois de quatro anos de negociações, porém rejeitado pela população em plebiscito no dia 2.

O desafio vem em duas etapas.

Primeiro, é preciso acertar com a oposição, que liderou o voto pelo "não", e com a guerrilha, como se pode corrigir o documento com a concordância de todos. Depois, escolher como referendá-lo.

Juan Pablo Bello/Presidência da Colômbia/Xinhua
(160926) -- CARTAGENA, septiembre 26, 2016 (Xinhua) -- Imagen cedida por Presidencia de Colombia, del presidente de Colombia, Juan Manuel Santos (c-i-frente) estrechando la mano con Rodrigo Londoño Echeverri (c-d-frente), alias
O presidente Juan Manuel Santos cumprimenta líder das Farc durante assinatura de acordo de paz

Desde o princípio, Santos podia ter prescindido do plebiscito e foi, inclusive, estimulado a aprovar o acordo sem ele por parte dos negociadores, ancorados na Constituição e na autorização da Corte Suprema.

Porém, o agora Nobel da Paz considerava a aprovação popular parte essencial do processo.

Agora, se o acordo remendado for aceito entre as partes, Santos terá de escolher novamente se chama um novo plebiscito, possivelmente em março, ou se simplesmente o aprova junto ao Congresso.

O mais difícil, por ora, é encontrar consenso entre negociadores do governo, da guerrilha e um novo ator no jogo, a oposição liderada pelo ex-presidente Álvaro Uribe, que estimulou a população a votar pelo "não" e obteve 6,4 milhões de votos.

O bloco do "não" apresentou no começo da semana um bloco de propostas em que recuou em alguns pontos, mas segue inflexível em outros. O governo vem conversando com esse bloco, além de grupos de vítimas, organizações sociais e religiosas que fizeram ressalvas ao documento para tentar encontrar uma saída que agrade a todos.

URIBISMO

O uribismo resumiu suas preocupações a cinco pontos. O primeiro, que gera mais desacordo com as Farc, é o da ineligibilidade de ex-guerrilheiros que sejam condenados por crimes de lesa humanidade.

Porém, aqui os opositores amenizaram sua posição. Se antes defendiam a ineligibilidade dos mesmos para sempre, agora a reduziram a apenas durante o período em que estiverem cumprindo pena.

No acordo rejeitado, os ex-guerrilheiros poderiam ser eleitos e exercer cargos públicos mesmo tendo sido condenados.

O segundo ponto diz respeito à prisão e também mostra um abrandamento de posição. Antes, o bloco do "não" defendia penas de prisão aos que haviam cometido delitos graves, agora o grupo aceita que as mesmas sejam cumpridas em colônias penais agrícolas.

Mesmo assim, é uma mudança significativa do acordo original, que não previa nenhum tipo de prisão, apenas condenações reparatórias em serviços à comunidade.

John Vizcaino/Reuters
O ex-presidente colombiano Alvaro Uribe, faz campanha pelo 'não' ao acordo de paz com as Farc
O ex-presidente colombiano Alvaro Uribe, faz campanha pelo 'não' ao acordo de paz com as Farc

Os outros pontos do documento uribista dizem respeito à reforma agrária, na qual defendem que aqueles que compraram terras de forma indevida, ou seja, por meio das Farc, se o tiverem feito de "boa-fé", sem conhecer a procedência, poderão mantê-la.

Nesse quesito, o acordo rejeitado previa sua devolução a um fundo de terras e posterior redistribuição a camponeses deslocados pelo conflito —calculados em 8 milhões de pessoas. A esse ponto, o governo atribui ter perdido apoio de médios e grandes proprietários no interior.

Outro item refere-se à fumigação aérea de áreas cultivadas por coca, proibida pelo acordo original.

O uribismo quer que o recurso volte a ser utilizado, porque crê que seu abandono foi o responsável pelo aumento das terras cultivadas —em um ano, subiram de 69 mil a 96 mil hectares, segundo a ONU.

O ponto mais sensível para o governo, porém, é o da Justiça transicional. Os uribistas querem o fim do que chamam de "tribunais paralelos à Justiça comum".

Exigem que a Justiça especial para tratar dos crimes de guerra esteja sujeita à Corte Suprema e que seus juízes sejam por ela escolhidos, e não por comissões internacionais e da sociedade civil, como previa o acordo.

Também rejeitam o convite que o governo desejava fazer a magistrados estrangeiros para que participassem do processo.

As Farc anunciaram que estão dispostas a renegociar alguns pontos, inclusive os que se referem à Justiça transicional e à reforma agrária. Porém, permanecem sem mudar de ideia sobre a questão da eligibilidade e do acesso às eleições. Sua intenção é participar já do pleito legislativo de 2018.


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