Folha de S. Paulo


Acordo global visa limitar a emissão de gases que causam efeito estufa

Uma nova versão do protocolo internacional que conseguiu controlar a ameaça do buraco de ozônio na atmosfera deve trazer a mais importante contribuição feita até agora para enfrentar as mudanças climáticas.

Em reunião realizada em Kigali (capital de Ruanda, no leste da África), as nações do mundo concordaram em cortar cerca de 80% das emissões dos gases HFCs, o que minimizaria o aquecimento global em 0,5 grau Celsius neste século.

"É provavelmente o passo individual mais importante que podemos dar neste momento para limitar o aquecimento do nosso planeta pelas próximas gerações", declarou o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, que desempenhou papel-chave nas negociações em Ruanda.

Cyril Ndegeya/AFP
US Secretary of State John Kerry gestures as he delivers a speech during the 28th Meeting of the Parties to the Montreal Protocol in Kigali, on October 14, 2016. Hopes were high today that world envoys meeting in Rwanda will agree to phase out potent gases used in refrigerators and air conditioners that are among the biggest contributors to global warming. / AFP PHOTO / CYRIL NDEGEYA
O secretário de Estado, John Kerry, fala após o encontro que selou o acordo em Kigali, Ruanda

O chamado Acordo de Kigali, que já nasce "legalmente vinculante" (ou seja, com força de lei, no jargão dos diplomatas) será colocado em prática em diferentes fases, começando com os países desenvolvidos em 2019, depois com países em desenvolvimento como Brasil e China em 2024 e finalmente com a Índia, o Paquistão e as nações do golfo Pérsico em 2028.

Os países começarão estabilizando ou cortando ligeiramente suas emissões de HFCs (ou hidrofluorcarbonos, usados em refrigeradores e aparelhos de ar-condicionado, entre outros produtos), fazendo cortes de 80% ou mais até a metade deste século.

SOLUÇÕES E PROBLEMAS

O acordo é uma emenda ao Protocolo de Montreal, que está em vigor desde 1989 (hoje, vale no mundo todo) e foi criado originalmente para evitar a produção de substâncias que também eram usadas em sistemas de refrigeração.

Essas moléculas, os CFCs (clorofluorcarbonos), desencadeiam reações capazes de "quebrar" os componentes da camada de ozônio, proteção natural da Terra contra os raios ultravioleta do Sol. Se o processo continuasse, calculava-se que haveria milhões de casos de câncer de pele a mais no mundo, entre outros efeitos nocivos.

Para sanar o problema, a indústria passou a trocar os CFCs pelos HFCs, que não têm o mesmo efeito nocivo sobre o "filtro solar" da Terra. Deu certo —o rombo na camada de ozônio parou de crescer e tem dado sinais de estar se fechando.

Mas os HFCs, por sua vez, são poderosos gases-estufa, ou seja, são capazes de reter calor na atmosfera da Terra com grande eficiência (coisa que os CFCs também faziam). Essa eficiência, aliás, pode ser entre centenas e milhares de vezes superior à do CO2 (dióxido de carbono), hoje o principal gás-estufa, daí a necessidade de enfrentar as crescentes emissões de HFCs.

Trata-se de um problema relativamente fácil de resolver, se comparado ao gigantesco desafio de minimizar as emissões, porque a questão é muito mais pontual e pode ser resolvida com inovações tecnológicas na indústria de refrigeração, achando gases que substituam os HFCs.

"As instituições de apoio do Protocolo de Montréal já existem e funcionam. Eles têm até um mecanismo de apoio financeiro, um fundo multilateral para os países em desenvolvimento", explica Stela Herschmann, assessora para relações institucionais da ONG Uma Gota no Oceano. "A experiência com as eliminações de outras substâncias vai ajudar no sucesso dessa emenda."

O efeito positivo do acordo deve ocorrer de forma relativamente rápida por causa de uma propriedade dos próprios HFCs, lembra Stela. "São gases de vida curta, ou seja, ficam menos tempo na atmosfera. Isso significa que os benefícios climáticos dessa redução serão sentidos mais rápido, quase como se estivéssemos ganhando tempo para retirar o CO2 da atmosfera."

A relutância do grupo de países liderado pela Índia em ter metas mais precoces (por conta de limitações da indústria indiana) talvez evite que todo o potencial da medida seja alcançado apenas graças ao acordo.

"Viemos para cá para tirar 0,5 grau Celsius do aquecimento futuro e conquistamos cerca de 90% disso", afirmou Durwood Zaelke, presidente do Instituto Para Governança e Desenvolvimento Sustentável.

Para Zaelke, o desenvolvimento de novas tecnologias pode criar pressões de mercado para que o resto da meta acabe sendo cumprida.

O trabalho mais difícil começa em novembro, durante a conferência do clima de Marrakech, no Marrocos, quando os países debaterão como implementar o Acordo de Paris, firmado em 2015 com o objetivo de limitar o aumento da temperatura global a menos de 2 graus Celsius.

Diferentemente do Protocolo de Montréal, o acordo ainda não é legalmente vinculante e depende de metas nacionais de redução de emissões que são voluntárias.

Com agências de notícias


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