Folha de S. Paulo


Polícia mata um negro na Califórnia; caso é o terceiro nos EUA neste mês

Negro, desarmado e morto pela polícia. Mais do que estatística, seu nome pode virar o novo símbolo de movimentos como o Black Lives Matter (vidas negras importam).

Alfredo Olango, na casa dos 30 anos, refugiado de Uganda que vivia nos EUA desde os 12 anos, foi abatido em El Cajon, na Califórnia, terça (27), após zanzar desorientado entre carros.

A irmã contou ter acionado três vezes o 911 atrás de socorro, pois Olango tinha alguma deficiência mental. Em vídeo, ela questiona por que a polícia não enviou uma equipe especializada.

"Liguei pedindo ajuda, e vocês mataram meu irmão. Por que não usaram apenas a arma de choque? Por quê? Por quê? Por quê?", diz, aos prantos.

Dezenas protestaram na cidade após o episódio. Um dia antes, os presidenciáveis Hillary Clinton e Donald Trump debatiam sobre relações raciais nos EUA, avaliadas como ruins por 63% da população, em pesquisa de julho.

É o quadro mais pessimista em 25 anos –potencialmente agravado após a morte de dois negros neste mês. Um deles, em Tulsa (Oklahoma), foi descrito pelo agente que o avistou de um helicóptero como "alguém que parece um cara mau". Alto e corpulento, Terence Crutcher, 40, pai de quatro crianças, tinha as mãos para o alto.

Manifestações pela morte de Keith Scott, 43, em Charlotte (Carolina do Norte), obrigaram o governador do Estado a declarar toque de recolher da 0h às 6h.

A polícia de El Cajon diz que não teve escolha no caso de Olango –ele teria colocado a mão nos bolsos da calça, agia de forma confusa, não cumpriu instruções e estendeu um objeto no ar, "no que parecia ser uma posição de tiro".

Testemunhas contam que era um vaporizador. As autoridades só confirmaram que, de fato, não era uma arma. Um rapaz entrevistado pela NBC contou que Olango "estava com as mãos para cima", tentou correr, "e eles descarregaram, 'boom', 'boom', 'boom'... Cinco tiros".

A polícia diz ter um vídeo mostrando que ele não tinha as mãos para o alto.

Rumbie Mubaiwa, que estava na cena, publicou outro vídeo no Facebook desacreditando a versão oficial. "A polícia sabia que não era uma arma. Estava perto o bastante para sentir até o que ele tinha comido de café da manhã."

A sudanesa Agnes Hassan disse a repórteres que passou um tempo com Olango num acampamento de refugiados e que os dois sofreram para chegar aos EUA. Em seu perfil do Facebook, a vítima se identificava como chef da rede de restaurante Hooters e um "servo de Deus" na igreja Jesus Diariamente.

A polícia americana matou ao menos 715 pessoas em 2016, segundo banco de dados do "Washington Post". Negros são 24% das vítimas e 12% da população.

Contra o racismo, atletas de todo o país têm se recusado a ficar de pé na execução do hino nacional, protesto iniciado por um jogador de futebol americano em agosto.

"Não vou mostrar orgulho por um país que oprime os negros e pessoas de cor", afirmou Colin Kaepernick, que pelo gesto foi alvo de aplausos e protestos Estados Unidos afora. "Para mim, é maior do que o futebol."

Na terça, a tenista Serena Williams citou Martin Luther King Jr. para dizer que não ficará calada diante das mortes: "Chega um momento em que o silêncio é uma traição".


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