Folha de S. Paulo


Plano para que crianças imigrantes frequentem escolas enraivece gregos

Angelos Tzortzinis/"The New York Times"
Crianças em sala de aula improvisada em campo de refugiados em Oraiokastro, na Grécia
Crianças em sala de aula improvisada em campo de refugiados em Oraiokastro, na Grécia

Mariya bint Loqman Abdlkarim tem nove anos. Ela chegou à Grécia em fevereiro, depois de fugir da Síria com sua família e cruzar o mar da Turquia até aqui em um barco frágil. Desde então, ela vive em um campo de refugiados precário. Seu futuro é incerto, e seu presente a vê reduzida às mínimas necessidades.

Não muito tempo atrás, o governo da Grécia decidiu lhe dar a oportunidade de uma vida mais próxima da normalidade. Em companhia de 22 mil outros filhos de refugiados, ela seria autorizada a estudar nas escolas públicas do país, a partir de outubro.

Mas, como no caso de muitos outros aspectos dos esforços da Europa para lidar com o imenso número de imigrantes que chegaram às costas do continente, o plano rapidamente despertou imensa oposição, no caso da parte de pais em diversas comunidades próximas de campos de refugiados no norte da Grécia. As crianças refugiadas, dizem esses pais, podem ter doenças contagiosas. As diferenças culturais, segundo eles, podem perturbar o aprendizado.

Angelos Tzortzinis/"The New York Times"
Crianças pedem
Crianças pedem "educação para todos" em protesto em Oraiokastro, na Grécia

Na semana passada, uma associação que representa os pais de alunos das escolas da pequena cidade de Filippiada, no oeste da Grécia, enviaram uma carta às autoridades locais e ao Ministério da Educação afirmando que "não aceitaremos, explícita e categoricamente, sob qualquer circunstâncias e sem qualquer compromisso, que as crianças dos chamados imigrantes irregulares" frequentem escolas locais - em uma referência aos imigrantes que ingressaram no país ilegalmente.

"Elas vieram de outro continente, com doenças e condições de saúde completamente diferentes", a carta afirma, acrescentando que os refugiados têm "perspectivas diferentes sobre o papel da família, da mulher, da religião". A presença deles "alteraria o caráter grego" das escolas, afirma a carta, acrescentando que "não permitiremos fanatismo religioso".

PROTESTOS

No começo de setembro, as associações de pais de duas escolas na cidade de Oraiokastro, no norte da Grécia, ameaçaram ocupar as escolas em protesto se refugiados de um campo de assistência operado pelo Estado na região fossem autorizados a frequentá-las. Alguns dias antes, o prefeito apelou aos moradores que tomassem a lei em suas mãos, em meio a rumores de que refugiados estariam se mudando para casas na área. Os anúncios dos pais e um vídeo da sugestão do prefeito de que os moradores "interviessem" causaram protesto público e uma tempestade de reações furiosas nas mídias sociais.

Também levaram um promotor público grego a investigar se as associações de pais ou o prefeito deveriam ser acusados de delitos raciais.

Na esteira dos protestos, os grupos de pais e o prefeito atenuaram seus protestos, afirmando que sua única preocupação eram as possíveis implicações de saúde caso as crianças refugiadas não fossem vacinadas. O prefeito, Asterios Gavotsis, disse que seus comentários durante a reunião gravada em vídeo foram "mal interpretados" e que ele não estava "incitando qualquer pessoa a cometer atos ilegais".

Do lado de fora de uma das escolas, o aposentado Haralambos Magoulianos, 57, estava esperando para apanhar suas duas netas e disse que se opunha à admissão das crianças refugiadas. "Não gosto disso", ele disse. "O que acontece se tivermos uma epidemia? Não as quero aqui", ele acrescentou, afirmando que jovens dos campos de refugiados próximos "roubam bicicletas e invadem nossos quintais".

Outros pais na área se provaram mais acolhedores. O diretor da escola de Filippiada e alguns pais de alunos lá disseram que a carta enviada por outros dos pais da área não reflete suas opiniões.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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