Folha de S. Paulo


Leia perguntas e respostas sobre o acordo de paz com as Farc na Colômbia

Luis Robayo/AFP
Cartaz pede voto a favor do acordo de paz em plebiscito; ao fundo, morador de Cartagena
Cartaz pede voto a favor do acordo de paz com as Farc em plebiscito; ao fundo, morador de Cartagena

Após quatro anos de negociações, o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, e o líder das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) assinaram nesta segunda-feira (26) em Cartagena um histórico acordo de paz que busca encerrar um conflito de 52 anos com a guerrilha.

Assistiram à cerimônia chefes de Estado, chanceleres, representantes do Vaticano e da ONU.

Abaixo, entenda os pontos do acordo e como se dará o plebiscito do próximo domingo (2), no qual o povo colombiano irá votar a aprovação do pacto.

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1. O que aconteceu nesta segunda-feira (26) em Cartagena?

O líder das Farc, Rodrigo "Timochenko" Londoño, e o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, assinam o acordo de paz negociado ao longo de quatro anos entre as duas partes em Havana (Cuba).

2. Isso significa que a guerra terminou?

Não, o documento ainda precisa ser aprovado em plebiscito pelo povo colombiano no próximo domingo (2). Para que o "sim" vença, deve obter um patamar de 13% dos votos do eleitorado, ou seja, 4,5 milhões. Apesar de as pesquisas darem vantagem ao "sim" de 55,3% contra 38,3% (instituto Datexco), há apreensão por parte do governo, pois todos os institutos apontam uma alta abstenção (na Colômbia o voto não é obrigatório) e um número de indefinidos que não vêm baixando nas últimas semanas, apesar da intensa campanha dos dois lados.

3. Por que 13%?

A lei colombiana prevê que, em plebiscitos e referendos, o patamar para considerar uma opção vitoriosa tem de ser entre 25% a 50%, dependendo do caso. Devido à alta abstenção das últimas eleições presidenciais, o governo fez um pedido especial à Corte Constitucional para que o patamar do plebiscito da paz fosse baixado, excepcionalmente neste caso, para 13%. A Corte aprovou o pedido, gerando protestos por parte da oposição.

John Vizcaino/Reuters
Colombia's President Juan Manuel Santos (C) and Colombian First Lady Maria Clemencia de Santos arrive at congress to present the FARC peace accord to the president of congress in Bogota, Colombia, August 25, 2016. REUTERS/John Vizcaino TPX IMAGES OF THE DAY ORG XMIT: JWV01
O presidente Juan Manuel Santos (centro) chega ao Congresso para apresentar o acordo, em agosto

4. Se o plebiscito for aprovado, qual será o primeiro efeito?

Guerrilheiros seguirão para os 20 acampamentos designados pelo governo em diferentes regiões do país, que serão vigiados pelo Exército e monitorados pela ONU. Ali, haverá triagem entre os que vão responder a processos da Justiça especial e dos que serão anistiados. Também começa o processo de desarmamento, que ocorrerá em três fases e deve completar-se em 180 dias.

5. O que ocorrerá aos guerrilheiros anistiados?

Estarão livres para voltar às suas casas ou para ir aonde desejarem. Receberão por 24 meses um valor correspondente a 90% do salário mínimo colombiano. Caso participem de atividades de reparação às vítimas das comunidades afetadas (desminar territórios, ajudar a reconstruir estradas e escolas), ao final desse período receberão um bônus.

6. O que ocorrerá aos guerrilheiros acusados de graves delitos?

Serão julgados em tribunais especiais, compostos por magistrados colombianos e estrangeiros, mas não está previsto que cumpram pena em prisões comuns. Se considerados culpados, terão "condenações com privação de liberdade e obrigação de participar de obras comunitárias". Os que tiverem cometido crimes de lesa humanidade —sequestro, tortura, assassinato, estupros e outros— e o confessarem, terão as penas transformadas em ações reparadoras —desminar territórios, ajudar a reconstruir estradas ou escolas destruídas ou outras, definidas pelos tribunais. Os que não confessarem, mas forem considerados culpados, receberão penas da Justiça comum, de 8 a 20 anos em prisões regulares.

7. Como será a participação dos ex-guerrilheiros na política?

Aqueles que quiserem candidatar-se podem fazê-lo, ainda que estejam cumprindo pena. As Farc pretendem lançar seu partido em maio de 2017. Para as eleições de 2018 e 2022, terão garantidas cinco cadeiras na Câmara dos Deputados e cinco cadeiras no Senado. Se não conseguirem preenchê-las por meio do voto direto, poderão indicar integrantes de suas fileiras para ocupá-las. A partir da eleição de 2026, devem disputar segundo as regras dos demais partidos, sem benefícios particulares.

Diego Pineda/Xinhua
(160830) -- BOGOTA, agosto 30, 2016 (Xinhua) -- Los senadores del partido Centro Democrático (CD), Alvaro Uribe (2-i-frente), el senador del CD, Iván Duque (c-frente), y el presidente del CD, Oscar Iván Zuluaga (d-frente), participan en el acto de denuncia por
Uribe (esq.), senador Iván Duque e ex-presidenciável Iván Zuluaga mostram assinaturas contra acordo

8. Quem é contra o acordo?

Cidadãos que, em geral, não aceitam a ideia de que haverá anistia ampla à maioria dos guerrilheiros rasos e que as Farc sejam subsidiadas pelo governo por dois anos, além de terem garantia de entrada na vida política. A rejeição a esses pontos específicos chega a marcar de 70% a 80% nas pesquisas. Chefiam essa campanha os ex-presidentes Álvaro Uribe e Andrés Pastrana, que, em suas gestões, tentaram acordos com as Farc que acabaram frustrados.

9. O que virá depois?

O chamado "pós-conflito" trará vários desafios : reconstruir a infraestrutura destruída durante a guerra, reintegrar guerrilheiros à sociedade, desminar 60% do território e cuidar para que os 8 milhões de colombianos que deixaram seus lares no interior fugindo do conflito, e que hoje vivem em situações precárias na periferia das grandes cidades, tenham condições de voltar para casa. Para isso, o governo tenta arrecadar dinheiro junto à comunidade internacional, mas não descarta um aumento de impostos —o que seria impopular porque o presidente Juan Manuel Santos tem pouco mais de 20% de aprovação neste momento.

10. E os outros grupos armados?

Encerrando a guerra com as Farc, o governo já iniciou conversas com a segunda maior guerrilha do país, o ELN (Exército de Libertação Nacional), que conta com 5.000 integrantes (as Farc possuem 9.000) e que se manteve mais fiel a suas bandeiras revolucionários, possuindo ainda um forte componente ideológico. O ELN não aceita, por exemplo, que as conversações ocorram fora da Colômbia ou que tenham de devolver sequestrados e entregar armas sem garantias de uma redistribuição de terras e de outras reivindicações. O governo tem pressa para acelerar o processo de paz com o ELN, pois grupos dissidentes das Farc que recusam-se a entregar-se ao processo de paz já estão integrando suas fileiras.

Editoria de Arte/Folhapress

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