Folha de S. Paulo


Ataques nos EUA mostram simplismo em plano antiterror de presidenciáveis

Não há nada nos planos antiterrorismo de Donald Trump ou de Hillary Clinton que teria tido muitas chances de evitar os ataques a bomba em Nova York e em Nova Jersey dos quais Ahmad Khan Rahami, 28, é acusado de ser o autor.

A questão de como prevenir o terrorismo será quase com certeza o assunto principal na segunda-feira (26) à noite, quando os dois candidatos presidenciais se encontrarem para o primeiro debate.

Mas a verdade é que casos como o de Rahami fogem completamente a todo tipo de categoria.

E sua trajetória de uma infância como imigrante para tornar-se um cidadão naturalizado e depois um acusado de terrorismo mostra que o debate que está em curso na campanha é simplista demais.

Ed Murray/NJ Advance Media via AP
Ahmad Khan Rahami is taken into custody after a shootout with police Monday, Sept. 19, 2016, in Linden, N.J. Rahami was wanted for questioning in the bombings that rocked the Chelsea neighborhood of New York and the New Jersey shore town of Seaside Park. (Ed Murray/NJ Advance Media via AP)
Ahmad Khan Rahami, suspeito de realizar atentados em Nova York, é detido após troca de tiros

Falha em encontrar a causa mais difícil e mais comum da radicalização nos Estados Unidos, quando os demônios pessoais se transformam em violência motivada por ideologia.

Rahami chegou aos Estados Unidos, vindo do Afeganistão, aos sete anos de idade, e depois adquiriu a cidadania.

A insistência de Trump, recentemente, em dizer que não vê nenhum problema com a realização de perfis étnicos poderia ter levado a interrogatórios mais duros feitos a Rahami quando ele viajou para Quetta, no Paquistão, o centro do poder talibã, e quando voltou, ou quando retornou de lá com uma esposa paquistanesa.

O indício mais forte das suas inclinações aconteceu em 2014, quando a polícia local e o FBI investigaram a acusação do pai de Rahami, de que seu filho era um terrorista. Mas, ao não encontrar nenhuma evidência, as autoridades não agiram.

A partir do fato de que Rahami é um cidadão norte-americano, a única maneira em que ele poderia ter sido preso sem provas seria sob um sistema de detenção semelhante à maneira como os nipo-americanos eram colocados em "campos de internamento" japoneses durante a Segunda Guerra Mundial.

Essa foi uma técnica que Trump comentou à revista "Time" em dezembro, que ele poderia ter apoiado ou não na época. Ele acrescentou que, por mais indesejável que seria reativar um expediente assim, em uma era de terrorismo, "a guerra é difícil".

RECEPTAR MENSAGENS

A abordagem de Clinton seria contar com um sistema de receptação de mensagens para impedir a radicalização e tentar reconhecer os primeiros sinais de extremismo.

Mas ninguém parece totalmente seguro sobre como Rahami foi radicalizado —se na internet, durante viagens ao Paquistão, ou talvez por sua nova esposa. E a proposta de Clinton, até mesmo seus defensores reconhecem, não traz nenhuma garantia: tenta segurar a onda, ao invés de revertê-la.

Trump, em suma, descreveu uma política de manutenção de potenciais terroristas totalmente fora do país, mesmo que isso signifique suspender ou violar os tradicionais princípios dos Estados Unidos de acolhimento de refugiados e não discriminação de imigrantes com base em sua religião.

Clinton, por outro lado, discutiu o exame minucioso de imigrantes —em relação à sua história ou simpatia por ideologias radicais— e defendeu o trabalho de combate de mensagens e comportamentos extremistas.

Clinton tem o objetivo de criar um sistema de alerta precoce, comunidade por comunidade, que se baseia em um número crescente de programas que a administração Obama chama de "luta contra o extremismo violento".

O objetivo não é apenas contar com líderes religiosos, como imãs, para ajudar a detectar os primeiros sinais de radicalização, mas também mobilizar professores, treinadores, médicos e outras pessoas que possam notar mudanças sutis no comportamento de um indivíduo e, talvez, com a ajuda de família e amigos, intervir.

Clinton também sugeriu, em dezembro, que iria acelerar os trabalhos com empresas de tecnologia para retirar discursos radicais do Facebook, YouTube, Snapchat e de aplicativos criptografados usados por terroristas.

"Você vai ouvir todas as queixas de sempre: 'Liberdade de expressão'", disse ela ao Instituto Brookings. Também sugeriu que essas reclamações devem ser dispensadas.

TRABALHO NAS COMUNIDADES

Seus assessores reconhecem que isso não constituiria uma solução completa —mas também não seria uma solução completa a proibição da imigração, o que eles veem como algo contrário aos valores norte-americanos.

"Olha, nós nunca vamos ser capazes de identificar todos os potenciais malfeitores apenas por meio de um registro policial ou do seu envolvimento com outros malfeitores", disse Daniel Benjamin, ex-coordenador de terrorismo do Departamento de Estado e agora acadêmico do Dartmouth College. "Então, ter mais atenção a isso e mais consciência dentro das comunidades é algo absolutamente essencial, e terá de ser uma parte fundamental da solução."

Benjamin, que é assessor da campanha de Clinton, reconheceu na terça-feira (20) que "não há nenhuma garantia de que tais programas teriam identificado Rahami antes do tempo".

Mas ele disse que o caso de Rahami, e do homem somali-americano que esfaqueou nove pessoas em um shopping no Estado de Minnesota, antes de ser baleado e morto por um policial de folga, "parecem ser exemplos de mudanças bastante dramáticas de comportamento que poderiam ter disparado alarmes".

Clinton falou por telefone durante 45 minutos na terça-feira de manhã com um grupo de assessores de elite em segurança nacional e contraterrorismo sobre as lições aprendidas com os ataques terroristas mais recentes e sobre que medidas adicionais uma eventual administração Clinton teria de tomar para evitar ataques em solo norte-americano, de acordo com um resumo da conversa telefônica difundido pela campanha.

Eles também conversaram sobre como garantir que a polícia e outros órgãos de Justiça acompanhem indivíduos anteriormente identificados como possíveis ameaças. Clinton pediu uma "intensificação de inteligência" para melhorar o compartilhamento de informações entre as agências federais e com parceiros estrangeiros.

Hillary e seus assessores refletiram sobre formas de combater os chamados ataques de lobos solitários e a radicalização on-line —sem direção específica ou habilitação por parte de grupos como o Estado Islâmico ou a Al-Qaeda— e sobre "como podemos equilibrar melhor o direito à privacidade e esse imperativo de segurança nacional dos tempos atuais", segundo o resumo.

Por fim, o grupo examinou "os perigos da retórica inflamada, de generalizações e de manifestações de preconceito", tudo o que Clinton e seus apoiadores acusaram Trump de usar em seus comentários nas redes sociais e nos discursos de campanha.

REPRESSÃO

Trump tem uma palavra para essas soluções: "Fracas". Ele disse em um comício na terça-feira que a lição dos atentados a bomba em Nova York e em Nova Jersey era a necessidade de uma repressão da imigração.

"Esses ataques foram possíveis por causa do nosso sistema de imigração extremamente aberto, que não consegue banir e examinar adequadamente indivíduos ou famílias que entram no nosso país", disse. "Ataque após ataque —do 11 de Setembro a San Bernardino, a Orlando— temos visto como o fracasso ao examinar quem entra nos Estados Unidos coloca todos os nossos cidadãos em grande perigo."

Ele disse que Clinton era favorável "à entrada ininterrupta de pessoas vindas da Síria", embora os 10 mil refugiados que vieram de lá este ano sejam uma pequena fração do que receberam as nações europeias. Trump defendeu a interrupção do "influxo massivo de refugiados, que Hillary Clinton está tentando aumentar drasticamente".

Tradução de DENISE MOTA


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