Folha de S. Paulo


Depois da bomba em Nova Jersey, os moradores tentam entender o caos

Mark Makela - 17.set.2016/Getty Images/AFP
Moradores de Seaside Park (nova Jersey) após a explosão de bomba perto de suas casas no sábado (17)
Moradores de Seaside Park (Nova Jersey) após explosão perto de suas casas no sábado (17)

Foi uma segunda-feira desértica no final da temporada de verão; uma chuva persistente e as notícias mantiveram as pessoas em casa, em frente às suas TVs de tela plana. Ao vivo na Fox e na CNN, autoridades locais e federais anunciavam a prisão de Ahmad Khan Rahami, um homem de 28 anos de ascendência afegã, de Elizabeth, Nova Jersey, que é suspeito de haver colocado bombas em Nova Jersey e Nova York.

Uma cópia do "Daily News" repousava sobre a mesa de centro de madeira de Marilyn Casey. "Terror", dizia a primeira página.

Era difícil imaginar que tudo havia começado aqui, a sequência de atentados terroristas a bomba que concentraram todas as atenções na área metropolitana de Nova York por três dias e cujas origens haviam sido descobertas nessa faixa de praia favorecida pelo sol, na conjunção do calçadão e dos frutos do mar, na costa de Nova Jersey.

Na manhã do dia da explosão, Casey estava concentrada em um desafio de palavras cruzadas. Sua vizinha na rua D estava tomando o café da manhã. Outra vizinha se preparava para sair, para cortar o cabelo. Do outro lado da rua, um casal fazia um passeio de bicicleta, sem pressa, rumo ao extremo sul do calçadão.

Era cerca de 9h30 do sábado: quase a hora da praia.

A explosão foi um golpe nos ouvidos de todo o mundo e fez com que todos corressem para as portas da frente, alguns ainda usando chinelos. Uma batida entre caminhões? Um canhão anunciando o início da Semper Five, uma corrida beneficente anual de 5 km, em prol dos fuzileiros navais e de suas famílias?

O filho de alguém correu até o final da rua para dar uma olhada. Foi então que eles souberam que a lata de lixo de plástico perto do caminho da praia, entre todas as coisas, em todos os lugares, jazia em pedaços irregulares sobre a areia e a avenida North Ocean.

"Você pega a sua cadeira de praia, e sobe para ir sentar na praia e, então, alguém te explode - quero dizer, quem pensaria nisso?", disse Gene Manfra, um professor de artes industriais aposentado de Wayne, Nova Jersey, que agora vive na rua D durante todo o ano. "Você meio que se acostuma com as coisas em Nova York. Mas, aqui, você diz algo como 'Caramba´. Aqui é um mundo diferente."

Ninguém ficou ferido em Seaside Park, provavelmente, pelo menos em parte, porque a corrida beneficente, que teria passado pela lata de lixo, tinha sido adiada.

Na segunda-feira, não havia quase nenhum sinal de que alguma coisa desagradável havia acontecido na rua D, a não ser por um pequeno monte de bandeiras norte-americanas em miniatura que alguém havia plantado onde antes estava o lixo (Manfra disse que tinha visto um homem de cabelo bem curto vestindo uma camiseta com a inscrição "semper fi" - sempre fiel -, o lema dos fuzileiros navais, com as bandeiras no domingo. Ele pensou que se tratava, provavelmente, de um ex-fuzileiro naval).

INQUIETOS

O estado dos moradores era um pouco menos sereno.

Casey, por exemplo, tinha uma queimadura de sol rosada com a forma dos seus óculos de sol, que adquiriu por haver ficado de pé no sol durante toda a tarde de sábado, depois que as autoridades policiais evacuaram os moradores da rua do outro lado da via principal.

Mark Makela - 17.set.2016/Getty Images/AFP
Moradora de Seaside Park (Nova Jersey) observa policiais fazendo buscas após explosão de bomba na cidade no sábado (17)
Moradora de Seaside Park (Nova Jersey) observa policiais fazendo buscas após explosão

Todos haviam feito o que podiam, sentados em suas cadeiras de praia, compartilhando lanches, enquanto observavam a rua se encher de veículos blindados de aparência fantástica, do FBI, do Serviço de Investigação Criminal Naval, da Agência de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos e de algumas agências locais. Mas era difícil não deixar a vagar mente em direções perturbadoras.

"Quando eles dizem que pode acontecer em qualquer lugar, você diz: ´Sim, certo, aqui não´", disse Casey, que frequenta a praia desde os anos 1940 e que trabalhou na empresa jornalística Asbury Park Press por 41 anos.

Na televisão, as autoridades diziam que Rahami poderia ter que responder a acusações adicionais por atirar contra policiais que o haviam perseguido pelas ruas de Linden, em Nova Jersey. Os repórteres falavam sobre sua vida em Elizabeth, sobre o restaurante especializado em frango frito mantido por sua família.

"Elizabeth?", disse outra moradora permanente da rua D, Carol Ryan, confusa, embora Elizabeth fosse um alvo de terrorismo um pouco menos enigmático do que Seaside Park. "Por que Elizabeth, pelo amor de Deus?"

Toda a situação era confusa, na verdade. Os Ryans nunca trancam a porta. "Se um cão está perdido, a cidade inteira sai para tentar encontrá-lo", ela disse.

Talvez tenha sido por causa da grande distância mental e geográfica que separa Chelsea, em Manhattan, da rua D, mas até o dia seguinte poucos entre os moradores permanentes pensaram que a explosão em Nova York, que feriu 29 pessoas na noite de sábado, tivesse ligação com a explosão no final do quarteirão.

Talvez fosse a condescendência reforçada que havia sido criada ao longo dos anos: mesmo quando o furacão Sandy destroçou a praia em 2012 - a última grande reviravolta da qual os moradores conseguem se lembrar - não houve inundações na rua D.

No dia da explosão, as coisas, se não estavam exatamente normais, também não justificavam ser assunto de entrevistas coletivas presidenciais e boletins a cada hora. Enquanto seu marido ajudava a organizar o trânsito como integrante do Corpo de Bombeiros voluntário de Seaside Park, Margaret Mueller, que mora na costa desde os 4 anos, foi fazer o corte de cabelo que havia adiado rapidamente quando a explosão aconteceu na manhã de sábado.

Para Kelly Dixon, que passou a noite de domingo na casa dos seus pais, para não ficar sozinha em sua casa na rua D, a segunda-feira trouxe lágrimas.

"Acho que minha emoção vem do fato de que ninguém está livre de que algo assim aconteça", ela disse.

Tradução de Clara Allain


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