Folha de S. Paulo


Em discurso na ONU, Temer diz que impeachment respeitou Constituição

Seth Wenig/Associated Press
O presidente Michel Temer fala na abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova York
O presidente Michel Temer fala na abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova York

Em seu primeiro discurso na Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) como presidente, Michel Temer defendeu nesta terça (20) a legitimidade do processo que levou ao impeachment de Dilma Rousseff e disse que no Brasil ninguém está imune à ação da lei.

"O Brasil acaba de atravessar processo longo e complexo, regrado e conduzido pelo Congresso Nacional e pela Suprema Corte brasileira, que culminou em um impedimento. Tudo transcorreu dentro do mais absoluto respeito à ordem constitucional. Não há democracia sem Estado de direito - sem normas que se apliquem a todos, inclusive aos mais poderosos", disse Temer.

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Segundo o presidente, o Brasil vive um processo de "depuração política", que demonstra a força de suas instituições.

"Temos um Judiciário independente, um Ministério Público atuante, e órgãos do Executivo e do Legislativo que cumprem seu dever. Não prevalecem vontades isoladas, mas a força das instituições, sob o olhar atento de uma sociedade plural e de uma imprensa inteiramente livre", afirmou.

Líderes de seis países da América Latina não assistiram ao pronunciamento em sinal de protesto, Equador, Nicarágua, Cuba, Bolívia, Costa Rica e Venezuela.

Sem perceber o boicote, o presidente Temer reconheceu em seu discurso "as diferentes inclinações políticas" dos governos da região e disse que "o essencial é que haja respeito mútuo".

Questionado sobre o protesto, o chanceler José Serra minimizou seu impacto, afirmando que "é próximo de zero". Ele disse que a reação dos países bolivarianos já era esperada, mas demonstrou surpresa com o gesto da Costa Rica. Mais tarde, o Itamaraty convocou o embaixador costa-riquenho em Brasília para prestar esclarecimentos.

ECONOMIA

O presidente também ressaltou a importância de retomar o crescimento econômico, o que exigirá "responsabilidade fiscal" e responsabilidade social". Nesse momento, Temer aproveitou para ressaltar o papel central em sua política econômica do Programa de Parcerias de Investimento (PPI), com o qual o governo busca tornar mais ágil o modelo de concessões e privatizações.

"Nossa tarefa, agora, é retomar o crescimento econômico e restituir aos trabalhadores brasileiros milhões de empregos perdidos", afirmou. "A confiança já começa a restabelecer-se, e um horizonte mais próspero já começa a desenhar-se. Nosso projeto de desenvolvimento passa, principalmente, por parcerias em investimentos, em comércio, em ciência e tecnologia. Nossas relações com países de todos os continentes serão, aqui, decisivas."

Reprodução/ONU
O presidente Michel Temer fala na abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova York
O presidente Michel Temer fala na abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova York

A menção ao impeachment e à transição política no Brasil foi feita no fim de um discurso em que Temer falou sobre as prioridades do país em política externa e cobrou mudanças da ONU para que a entidade possa lidar com o "deficit de ordem" que há no mundo.

Para isso, reiterou uma antiga reivindicação do Brasil, a reforma do Conselho de Segurança.

"Queremos uma ONU de resultados, capaz de enfrentar os grandes desafios do nosso tempo. Nossos debates e negociações não podem confinar-se a estas salas e corredores", disse. "Os semeadores de conflitos reinventaram-se. As instituições multilaterais, não. O Brasil vem alertando, há décadas, que é fundamental tornar mais representativas as estruturas de governança global, muitas delas envelhecidas e desconectadas da realidade. Há que reformar o Conselho de Segurança da ONU."

TRANSIÇÃO

As críticas de Temer ocorrem num momento de transição no topo da organização. Depois de dez anos como secretário-geral da ONU, o coreano Ban Ki-moon deixa o cargo no fim deste ano. Seu sucessor será escolhido no próximo mês, e o ex-primeiro-ministro de Portugal Antonio Guterres tem sido apontado como o favorito para suceder Ban.

A Assembleia Geral da ONU é considerada a instituição mais democrática da organização, já que o voto de cada um dos 193 países-membros tem o mesmo peso. Mas o poder real de decisão está no Conselho de Segurança, no qual os cinco membros permanentes tem poder de veto —EUA, China, Rússia, Reino Unido e França.

A abertura anual da Assembleia Geral, geralmente ocorrida em setembro, costuma chamar a atenção mundial pela presença de dezenas de chefes de Estado, que tem o palco da organização para marcar posições, mas não tomar decisões. Nos 71 anos da organização vários momentos ficaram marcados no folclore da organização, como o comentário do presidente venezuelano Hugo Chávez, em 2006, um dia depois do discurso do presidente americano George W. Bush.

"Ontem o diabo esteve aqui, neste mesmo lugar, ainda tem cheiro de enxofre nesta mesa", disse Chávez, morto em 2013.


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