Folha de S. Paulo


Crise na Venezuela devasta Isla Margarita e afasta turistas

Essa ilha turística no passado vivia lotada de turistas estrangeiros que amavam suas águas azuis cintilantes, a areia branca e fina e os dias invariavelmente ensolarados. Agora, as piscinas estão vazias, os vasos sanitários não dão mais descarga e muitos hotéis não têm como bancar o fornecimento de refeições.

A Venezuela devastada pela crise realizou uma limpeza de última hora nessa ilha de 600 mil habitantes a fim de receber os líderes dos países em desenvolvimento para a cúpula do Movimento dos Países Não Alinhados, neste fim de semana.

Mas essa atenção toda não consegue ocultar a severa queda que o local sofreu, enquanto o país socialista afunda mais e mais em seu colapso econômico e social.

Um dos problemas mais enlouquecedores para os moradores locais são os cortes diários de água, que os críticos do governo atribuem à falta de manutenção da infraestrutura. Luis Muñoz, administrador de um hotel na ilha, diz que se considera sortudo quando duas semanas transcorrem com água corrente disponível todos os dias.

Muñoz deixou o emprego como engenheiro seis anos atrás a fim de abrir um hotel em estilo colonial com 46 quartos na praia da Isla Margarita. Até recentemente, ela estava se saindo bem, recebendo turistas estrangeiros, venezuelanos prósperos e grupos de crianças em viagens patrocinadas pelo governo.

Isla Margarita, Venezuela

Agora, cada dia é uma luta.

"O importante é sobreviver; é nisso que nos concentramos", disse, sentado no saguão do hotel, onde não havia nenhum hóspede visível.

O índice geral de ocupação dos hotéis da ilha caiu a 35% este ano, de acordo com o conselho local de turismo. O número de voos para a ilha caiu em 50%. O colapso econômico foi devastador para as pessoas que trabalham no turismo, e também enfrentam a severa escassez de muitos produtos e a disparada da inflação que afeta todo o país.

SABONETE, TOALHAS E PAPEL HIGIÊNICO

Como a maior parte dos venezuelanos, Muñoz, 42, passa horas a cada semana esperando em filas para comprar produtos básicos a preços subsidiados.

Os poucos hóspedes que ainda reservam quartos no hotel precisam levar sabonete, toalhas e até papel higiênico com eles. O proprietário consegue manter a piscina do hotel cheia, usando a água turva de um poço. Mas a escassez de comida o levou a suspender os serviços de refeições.

"Como oferecer café da manhã aos hóspedes quando você nem sabe o que encontrará para comer no seu café da manhã?", ele disse.

As autoridades que vieram para a conferência viram a infraestrutura dos dias de glória da Isla Margarita, que inclui grandes hotéis de frente para o mar e três imensos shopping centers dotados de lojas de grandes marcas –ainda que hoje eles estejam em sua maior parte desocupados.

Visto de fora, o local que sediará a conferência de cúpula, o Hotel Venture Margarita, ainda se parece com um hotel de cinco estrelas em Miami ou Aruba. No passado, ele era administrado pela Hilton International, e em 2009 recebeu Muammar Gadhafi, então ditador da Líbia, e Robert Mugabe, ditador do Zimbábue.

O ex-presidente venezuelano Hugo Chávez, morto em 2013, depois expropriou o hotel. No mês passado, cortes de água tiraram de serviço os banheiros do saguão. Trabalhadores colocaram jarros de água nos banheiros para permitir que os hóspedes lavassem as mãos.

VIOLÊNCIA E CÂMBIO

Os turistas internacionais começaram a evitar a Venezuela nos últimos anos, porque ela se tornou um dos países mais violentos do mundo, e a complexidade do sistema de câmbio torna difícil trocar dinheiro.

Uma década atrás, 40% dos turistas da Isla Margarida vinham do exterior, de acordo com Igor Viloria, presidente da Câmara de Comércio. Agora apenas 4% dos visitantes são internacionais.

E embora muitos venezuelanos continuem a passar finais de semana na praia, poucos conseguem arcar com as passagens aéreas e os hotéis.

"É bonito aqui, mas os preços altos em todo lugar cansam", disse a Dra. Ahola Catías, uma das poucas turistas venezuelanas na ilha esta semana. Em lugar disso, mais pessoas optam por passar o dia na praia e voltar para casa, ou acampar, para economizar dinheiro.

Isso abalou a comunidade de negócios, aqui, e não há ajuda à vista.

Julio González está batalhando para manter aberta sua loja de roupas de banho e toalhas. As vendas caíram em 70% este ano, ele disse, contemplando a praia El Agua, uma praia de areias brancas, quase deserta.

Apenas dois anos atrás, a praia estava repleta a cada dia, com multidões de turistas. De noite, eles lotavam os 200 restaurantes que no passado ocupavam o calçadão à beira-mar.

As lojas à beira-mar foram demolidas pelo governo em 2014 a fim de abrir caminho para um esforço mais amplo de revitalização do turismo, mas o projeto terminou prejudicado por atrasos. Hoje, a praia oferece um panorama desolador.

"Foi realmente um golpe", disse González. "Costumávamos receber tantos turistas, e agora nada resta. Jamais passamos por algo parecido."

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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