Folha de S. Paulo


Homem conta como sobreviveu aos ataques de 11/9; releia

Em setembro de 2003, dois anos após o atentado às Torres Gêmeas, em Nova York, a Folha publicou o depoimento do sobrevivente Brian Bernstein. Em entrevista, Bernstein fala sobre aquela manhã no escritório, relata o momento dos ataques, como foi sua fuga do local e das marcas que o atentado deixou. "Não sinto mais medo da morte", disse o sobrevivente.

Leia abaixo o texto na íntegra, publicado em 7 de setembro de 2003.

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ROBERTO DIAS
DE NOVA YORK

Às 8h45 de 11 de setembro de 2001, Brian Bernstein estava sentando em sua mesa no banco de investimentos Lehman Brothers.

O escritório ficava no 38º andar do World Trade Center 1. Naquele momento, dezenas de metros acima dele, um avião se chocava contra o prédio, na altura do 85º andar. Era o início do ataque terrorista, mas Bernstein, claro, nada sabia naquele momento.

Ele é um dos milhares que conseguiram escapar com vida do ataque —cerca de 40 mil pessoas trabalhavam no WTC, e os mortos não chegaram a 3.000.

Hoje com 30 anos, Bernstein diz que o atentado mudou sua vida. Não sente mais medo da morte nem se apavora com filmes de terror. Ainda trabalha na Lehman Brothers, onde é gerente de tecnologia, mas o escritório mudou-se para a região da Times Square.

Em uma entrevista à Folha na quinta-feira, ele relatou como escapou com vida e o que pensa das discussões sobre o que fazer com o Ground Zero.

O dia - "Eu tinha uma reunião às 7h30 e estava lá um pouco mais cedo, porque tinha de me preparar. O escritório não ficava cheio até as 9h, 9h15, quando as pessoas começavam a aparecer."

O ataque - "Estava sentado na minha mesa fazia uns 15 minutos. Do nada, veio um "bum". O prédio balançou bastante. Foi como uma pessoa te pegando pelo ombro e te chacoalhando."

A reação - "A primeira coisa que me veio à cabeça foi a bomba de 1993 [outro ataque terrorista ao prédio]. Aí passou pela minha cabeça o que poderia atingi-lo tão alto. A seguir, que poderia ser uma explosão de gás no alto do prédio. Imediatamente pensei: "Será que isso vai cair?". Quando percebi que não, olhei pela janela e vi milhares de folhas de papel e de metal caindo do céu."

A fuga - "Peguei minha carteira, minha chave e meu Palm Pilot e fui para a escada. Você nunca sabe onde as escadas ficam até acontecer uma emergência."

A descida - "A escada tinha a largura de duas pessoas. Havia água descendo de cima. Era surpreendentemente calmo porque a gente não sabia o que tinha acontecido ainda. Alguém disse: "Um avião atingiu o prédio". Mas, claro, ninguém podia confirmar. A coisa mais maluca que eu vi foi uma mulher que tinha uma lojinha dois andares acima falando que tinha deixado a caixa registradora aberta. Eu disse a ela: "Acho que ninguém vai pegar"."

Dificuldades - "Em algum momento começou a aparecer fumaça na escada. Não muita, um pouco. Algumas pessoas cobriam a boca, mas eu estava ok. Vinha muita água de cima, era como um rio. Quando cheguei ao que acredito que fosse o nono andar, o sistema anti-incêndio [de onde ele estava] disparou. Mais um pouco adiante, encontramos os bombeiros que vinham entrando. Então tivemos de encostar no lado das escadas para deixá-los ir. Eles pareciam preocupados."

A saída - "Demorei mais ou menos 25 minutos para chegar embaixo. Era uma saída no lobby, e eu olhava para a praça, onde ficava aquele globo de metal. Era a coisa mais estranha que eu já vi. O céu estava amarelo por causa da fumaça, parecia o Armagedon. Era estranho, havia coisas queimando no chão. Era um dia bonito aquele. Num dia assim, aquela praça estaria cheia de gente. Vê-la completamente vazia é tão incomum. Havia muito vidro caindo. Eu ainda não tinha nenhuma ideia sobre o outro prédio."

Disparada - "Quando cheguei à porta, parei por um segundo, tomei fôlego e corri tão rápido quanto pude, porque não queria ser atingido por nada."

Pulo para a morte - "Quando estava mais afastado, parei e olhei para a entrada do WTC e vi várias pessoas que pularam do alto caindo no chão. Você vê a pessoa movendo o braço lentamente e então "bum". Alguém gritou: "Meu Deus! É uma pessoa!". Fiquei ali por alguns segundos, vi vários corpos atingido o chão, caindo de cem andares. Vamos dizer que você não fica em um pedaço só. É um barulho horrível."

Para casa - "Eu vivia no West Village. Comecei a andar. Uns 400 metros depois, ouvi alguém falando que havia uma bomba no segundo prédio. Então percebi que ele também fora atingido."

A queda - "Quando estava entre a rua Bleecker e a Sétima Avenida, o primeiro prédio caiu. Havia gritos, eu corri para a avenida e perguntei: "O que aconteceu?". Aí disseram: "Um dos prédios caiu". Eu fui para a Sexta Avenida. Estava conversando com uma pessoa que trabalhava comigo, e aí vimos o segundo prédio caindo."

Notícias - "Comecei a entrar pela cidade, e alguém estava no carro com o rádio ligado. Foi quando ouvi que o Pentágono também havia sido atingido."

Mortos - "[Morreram] pessoas que eu conheci no passado. Mas não eram meus amigos. Da Lehman, uma pessoa morreu.

Cobrança - "Depois que tudo aconteceu, uma ou duas pessoas me xingaram porque eu me livrei e não ajudei ninguém. Eu disse: "Eu não encontrei ninguém que precisasse da minha ajuda"."

Os dias seguintes - "Eu não trabalhei por sete semanas. Só trabalhava na Lehman havia alguns meses. Como era novo, não me viam como alguém que tivesse de estar lá no dia seguinte."

O governo americano - "Houve muitas ações tomadas em nome do ataque. Mas você nunca sabe se é realmente verdade o que nos contam. E houve uma série de coisas que passaram no Congresso, como o Patriot Act [medidas antiterror que restringem liberdades civis], que eram, em alguma medida, invasão de privacidade. Claro, há coisas positivas e negativos nele, mas esse tipo de coisa nunca teria passado antes de eventos como esse."

Mudança pessoal - "Eu digo que não sinto mais medo da morte. Estive muito perto dela. Só o fato de ver alguém nos últimos segundos antes de atingir o chão e não sobrar mais nada, isso muda sua perspectiva. Filmes de horror que antes me fariam ranger os dentes não me assustam mais."


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