Folha de S. Paulo


Hollande busca reafirmar autoridade, enquanto esquerda se volta contra ele

François Hollande está buscando afirmar sua autoridade sobre a esquerda francesa, que está se fragmentando, enquanto novos rivais vindos de seu próprio Partido Socialista pressionam para que o presidente francês abandone sua candidatura à reeleição no ano que vem.

Em discurso na próxima quinta-feira (8) na Fundação Jean Jaurès, Hollande deve falar sobre o terrorismo islâmico e o extremismo de direita, na esperança de transcender os ataques internos que vem recebendo em seu partido.

Minh Hoang/Reuters
O presidente da França, François Hollande, participa de reunião bilateral em Hanói, no Vietnã
O presidente da França, François Hollande, participa de reunião bilateral em Hanói, no Vietnã

Diversos rivais de esquerda sinalizaram sua intenção de disputar a presidência no ano que vem. Entre eles, há quatro antigos ministros de Hollande, incluindo Emmanuel Macron, que o presidente considerava como discípulo, e o esquerdista radical Arnaud Montebourg, predecessor de Macron como ministro da Economia.

Os dois esperam que Hollande abandone a disputa tendo em vista seus índices horrendos de rejeição. "Hollande vai tentar reafirmar sua liderança e posar como defensor da nação", disse Laurent Bouvet, professor de ciência política na Universidade de Versalhes.

"Esses são os únicos temas sobre os quais a esquerda consegue concordar. Mas sua credibilidade se erodiu também quanto a isso, depois do terceiro e quarto grandes ataques terroristas".

Hollande, 62, ascendeu à liderança do Partido Socialista e capturou a Presidência ao manter a união de uma esquerda fragmentada por discordâncias entre aqueles que favorecem uma abordagem mais centrista, simpática ao livre mercado, e aqueles que ainda se apegam a ideias marxistas.

Mas seus quatro anos no poder estão ameaçando destruir a união que ele criou, e tornando cada vez mais provável uma derrota humilhante na eleição presidencial do ano que vem.

"A arte da síntese, que Hollande dominou por muito tempo como secretário geral do Partido Socialista, era artificial", disse Bouvet, dizendo ver como um paradoxo que Hollande agora "seja o homem que preside à implosão da esquerda".

NOVO TRAUMA

Para os socialistas franceses, as candidaturas rivais trazem a perspectiva de um novo 2 de abril de 2002 —uma data traumática para o partido. Foi naquele dia que o então primeiro-ministro Lionel Jospin fracassou em passar para o segundo turno da eleição presidencial, por conta de uma disputa repleta de candidaturas esquerdistas dissidentes.

Em lugar disso, o líder de extrema direita Jean Marie Le Pen inesperadamente chegou ao segundo turno, o que resultou em vitória fácil para o candidato de centro-direita Jacques Chirac.

Desta vez, a filha de Le Pen, Marine, é vista como candidata com clara chance de chegar ao segundo turno, depois do forte desempenho de seu partido, a Frente Nacional, nas eleições municipais.

Pesquisas de opinião sugerem que Hollande e outros candidatos de esquerda seriam eliminados, permitindo que o escolhido pela centro-direita —seja o ex-presidente Nicolas Sarkozy, seja o ex-primeiro ministro Alain Juppé chegue facilmente ao poder.

Mas esse cenário aterrorizante —embora amplamente admitido como possível pelos socialistas— não inspirou unidade na esquerda.

"A fragmentação é suicida", disse Philippe Marlière, professor no University College de Londres. "Eles sabem disso, mas existe a questão do ego e da ambição pessoal, e as diferenças irreconciliáveis".

Muita gente considera Hollande responsável pela situação, de acordo com Marlière. Ele é especialmente criticado por não ter cumprido suas promessas de campanha de combater o setor financeiro e confrontar a chanceler [primeira-ministra] alemã Angela Merkel quanto à austeridade.

Muitos membros de seu partido também estão furiosos por suas medidas de concessão de mais de € 40 bilhões (R$ 145,6 bilhões) em isenções tributárias a empresas e de flexibilização do mercado de trabalho.

Quanto aos valores, igualmente, Hollande abalou seu eleitorado ao buscar —sem sucesso— promover uma mudança na Constituição a fim de privar terroristas de sua cidadania francesa, uma medida há muito requerida pela Frente Nacional.

Mesmo uma modesta recuperação econômica e a queda há muito esperada no desemprego não valeram muitos votos aos socialistas, de acordo com analistas. "Pela primeira vez, parte do eleitorado de esquerda está tentada a se abster", disse Marlière. "A desilusão com a elite e as instituições é muito forte".

LIVROS

O desencanto pode se aprofundar este mês com o lançamento de diversos livros nada elogiosos sobre a presidência de Hollande, baseados em conversas dele com jornalistas. Nos textos, Hollande é retratado como líder passivo e provinciano, obcecado com a política interna.

"Não acredito muito na sorte, acredito em azar, e tive muito azar desde que cheguei ao posto. Um dia terá de haver compensarão", teria dito o líder socialista em "Conversas Privadas com o Presidente", escrito por dois jornalistas com os quais ele se encontra regularmente desde que foi eleito.

Quanto à sua incapacidade de reduzir o desemprego recorde, ele teria se queixado: "Não tive sorte!"

As entrevistas regulares tinham por objetivo oferecer um relato honesto das ações de Hollande, de acordo com uma pessoa informada sobre o projeto. Mas algumas das passagens nelas registradas podem agravar o sentimento de traição da esquerda.

Refletindo sobre sua virada pró-empresas, na metade do mandato, por exemplo, o presidente teria declarado que "minha eleição resultou de debates no Partido Socialista. Tive de aceitar parte do que o partido queria me dar... incluindo muitos fardos".

Em "Primeiro Secretário da República", escrito por outro jornalista, Hollande parece encarar os ataques terroristas devastadores do ano passado pelo estreito prisma de suas dificuldades políticas. "Os ataques terroristas", ele teria declarado, "foram o único momento em que tive alguma paz".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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