Folha de S. Paulo


Jovens negros expressam ceticismo sobre Hillary e preocupam democratas

Quando um grupo de organizações políticas progressistas decidiu realizar sessões com jovens eleitores negros norte-americanos, no mês passado, as avaliações deles sobre Donald Trump foram impiedosas, como seria de esperar.

Mas quando os participantes foram convidados a falar sobre Hillary Clinton, suas opiniões foram igualmente diretas, e quase tão negativas. "O que devo fazer, se não gosto dele e não confio nela?", perguntou uma jovem negra da geração millenium, moradora do Estado de Ohio. "Escolher entre levar um tiro ou uma facada? De jeito nenhum."

"Ela era parte do problema, quando os negros começaram a ser encarcerados", disse um jovem negro, também do Ohio, sobre Hillary. "Ele é racista, e ela é mentirosa, e com isso qual é a diferença em escolher entre os dois ou nenhum?", questionou outra jovem negra de Ohio.

Como ocorre com todos os eleitores de sua faixa etária, levar os jovens negros dos Estados Unidos às urnas costuma ser mais difícil do que levar as pessoas de meia-idade ou mais velhas. Restando apenas pouco mais de dois meses para a eleição, muitos democratas expressam alarme com a falta de entusiasmo, e em alguns casos resistência aberta, dos eleitores negros da geração millenium com relação a Hillary.

Whitney Curtis/The New York Times
Brittany Packnett, 31, an activist and a leader in the push for police accountability, in downtown St. Louis, Sept. 2, 2016. Packnett and other young blacks say Hillary Clinton is not connecting with black voters, giving Democratic planners concerns about how much support Clinton will have on election day. (Whitney Curtis/The New York Times) - XNYT51
Brittany Packnett, líder de movimento para que a polícia preste contas mais claras sobre suas ações

O ceticismo deles tem raízes em um profundo desconforto com relação à elite política da qual eles acreditam que a antiga secretária de Estado e antiga primeira dama, que tem 68 anos, seja parte. Eles todos sentem uma desconfiança persistente sobre Hillary e seu marido, quanto a questões de justiça criminal.

E exigem mais dos políticos como parte de uma nova onda, mais militante, de ativismo negro que surgiu em resposta a sucessivos casos de mortes de negros norte-americanos desarmados por policiais.

"Estamos em meio a um movimento que envolve uma verdadeira sensação de urgência", disse Brittany Packnett, 31, de St. Louis, líder de um movimento que luta para que a polícia preste contas mais claras sobre suas ações.

Hillary não consegue se comunicar com esses jovens, diz ela, "porque a conversação que os eleitores negros mais jovens estão travando já não gira em torno de escolher o candidato menos pior".

A questão quanto à proporção de potenciais eleitores negros jovens que irão às urnas tem implicações profundas para a eleição. Hillary certamente superará Trump por larga margem entre os eleitores negros, mas essa margem esmagadora de preferência pode se provar menos importante que os números brutos de comparecimento às urnas.

Para reproduzir o sucesso do presidente Barack Obama em Estados cruciais como Flórida, Ohio e Pensilvânia, ela não pode permitir que a porcentagem de votantes negros caia abaixo dos números de 2012.

E, embora uma queda modesta do voto negro talvez não coloque em risco as chances de Hillary, dada a impopularidade de Trump entre os eleitores brancos de maior renda, ela poderia solapar os planos dos democratas para tomar o controle do Senado e vencer outras das disputas que fazem parte da eleição.

As dificuldades de Hillary junto aos jovens negros foram expostas em quatro grupos de foco conduzidos em Cleveland, Ohio, e Jacksonville, Flórida, a pedido de um grupo de organizações progressistas que estão investindo milhões de dólares na eleição: o sindicato dos trabalhadores do setor de serviços, um comitê de ação política conjunta entre o sindicalismo organizado e o bilionário ambientalista Tom Steyer, e uma organização progressista chamada Project New America.

Justin T. Gellerson/The New York Times
Christopher Prudhome, president of a non-partisan group working to register young voters, in the Logan Circle Neighborhood of Washington, Sept. 2, 2016. Prudhome said his talks with young African American voters show they don't like either Hillary Clinton or Donald Trump, raising questions about the depth of Clinton's support among blacks. (Justin T. Gellerson/The New York Times) - XNYT52
Christopher Prudhome, presidente de organização apartidária para promover registro de eleitores jovens

Os resultados foram delineados em uma apresentação de 25 páginas preparada por Cornell Belcher, especialista em pesquisas eleitorais do Partido Democrata, e encaminhados ao "New York Times" por outro estrategista de campanha do partido, que desejava chamar a atenção para as dificuldades de Hillary na esperança de que isso leve a campanha a agir com mais agressividade sobre o assunto.

Informações sobre o relatório se espalharam entre diversos operadores e organizações da ala progressista nas últimas semanas, causando preocupações entre as lideranças que viram a queda no comparecimento negro às urnas prejudicar o Partido Democrata nas duas últimas eleições de meio de mandato presidencial.

O que frustra muitos dos eleitores negros com menos de 40 anos de idade é a preocupação exclusiva de Hillary quanto a Trump.

"Nós já sabemos qual é a situação com Trump", disse Nathan Baskerville, 35, deputado estadual na Carolina do Norte. "Agora queremos saber qual é o plano dela para melhorar as nossas vidas".

Esse tipo de fala pode ser frustrante para os assessores de Hillary, que apontam que o primeiro discurso de campanha da candidata foi sobre a justiça criminal, e que ela já anunciou diversas propostas sobre o assunto.

"Cabe a nós garantir que essas propostas sejam divulgadas", disse Addisu Demissie, diretor de contato e mobilização do eleitorado na campanha de Hillary, acrescentando, sobre os jovens ativistas negros, que "compartilhamos de seus objetivos, de seus valores, e queremos garantir que sejam refletidos em nossa campanha".

Os grupos de foco e entrevistas com jovens ativistas negros sugerem que muitos deles não estão cientes dos planos de Hillary quanto à conduta da polícia, o encarceramento em massa e o racismo estrutural, em termos mais amplos.

Christopher Prudhome, 31, falou sobre uma conversação recorrente que costuma ter com outros negros ao viajar pelo país como presidente de uma organização apartidária dedicada a promover o registro de eleitores jovens. Eles não gostam de nenhum dos dois candidatos.

"Os jovens se sentem desencorajados e apreensivos com relação ao processo político em sua forma atual, e diante das duas opções oferecidas a nós", disse Prudhome, acrescentando, sobre Hillary, que "ninguém viu uma agenda para os jovens negros da geração millenium. Não acredito que ela se preocupe com eles".

As dúvidas quanto à agressividade dos esforços de Hillary para combater o racismo formam o cerne das suspeitas negras com relação a ela. Alguns negros mencionaram sua declaração de 1996, definindo jovens criminosos como "superpredadores", e leis assinadas pelo presidente Bill Clinton para impor sentenças mais severas a criminosos não violentos, e disseram que isso torna os ativistas atuais céticos quanto às verdadeiras intenções da candidata.

"São referências que surgem sem que falemos a respeito", disse Belcher. Trump vem usando linguagem extremamente bruta com relação aos negros nas últimas semanas –retratando suas comunidades como infernos distópicos e perguntando, ao solicitar seu apoio, "o que vocês têm a perder?".

Alguns aliados negros de Hillary acreditam que o rival esteja servindo como sua alavanca mais efetiva de mobilização de eleitores. "Ele literalmente todos os dias diz algo desrespeitoso quanto à comunidade negra", disse Michael Blake, deputado estadual em Nova York pelo Bronx, ativista nas campanhas de Obama e próximo de muitos dos assessores de Hillary.

Mas quando os eleitores negros nos grupos de foco foram convidados a avaliar panfletos de campanha, não havia dúvida sobre a comunicação mais efetiva. Um panfleto com uma foto de Trump e o texto "precisamos derrotar os racistas" não impressionou a audiência de negros jovens.

Já um panfleto em branco e preto contendo os nomes de pessoas mortas por policiais e outro com imagens de mães de vítimas e os dizeres "os filhos delas não podem votar, mas você pode", tiveram avaliação muito melhor.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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