Folha de S. Paulo


Bolívia recua e começa a aceitar governo de Michel Temer

Aizar Raldes Nuñez/AFP
O chanceler da Bolívia, David Choquehuanca, durante conversa com jornalistas em La Paz
O chanceler da Bolívia, David Choquehuanca, durante conversa com jornalistas em La Paz

O governo boliviano, um dos três que rejeitaram o impeachment de Dilma Rousseff e chamaram seus embaixadores em Brasília, começou nesta terça-feira (6) a amaciar seu rechaço a Michel Temer.

O chanceler David Choqueuanca minimizou a convocação do embaixador José Kinn e negou que se trate de retirá-lo definitivamente (ao contrário do que fez a Venezuela). "O chamado ao embaixador é só para ter informação sobre o ocorrido no Brasil", disse Choqueuanca à agência Efe.

É fácil explicar o início do recuo boliviano: está para ser iniciada uma rodada de negociações sobre o gás que a Bolívia vende ao Brasil.

O acordo vence em 2019 e o desejo boliviano é o de melhorar os seus termos.

Não interessa, portanto, criar um conflito com Brasília, como deixa claro outra alta autoridade boliviana, o presidente da Yacimientos Petrolíferos Fiscales, Guillermo Achá. Para ele, o ruído atual nas relações bilaterais não afeta assuntos comerciais.

Ele acrescenta: "O Brasil tem necessidade [do gás boliviano] porque abastece seu mercado, em grande medida, com gás boliviano".

Faltou explicitar que a Bolívia também tem sua necessidade, qual seja o dinheiro que o Brasil paga pelo gás, um dos principais produtos de exportação do vizinho.

O princípio de recuo da Bolívia demonstra que o "golpe", como os partidários de Dilma qualificam o impeachment, saiu quase de graça para o novo governo.

Além da Bolívia, só Equador e Venezuela reagiram chamando seus embaixadores. O Brasil retribuiu convocando os seus nos três países.

O Uruguai, que também criticou o impeachment, considerando-o uma "profunda injustiça", já ameniza a sua retórica.

Nesta segunda-feira (5), o chanceler Rodolfo Nin Novoa disse que "o Uruguai reconhece o governo Temer, embora continue mantendo sua posição a respeito não do processo, mas do resultado. O processo foi legal, mas o resultado é injusto".

O reconhecimento do governo Temer é confirmado pelo fato de que o presidente Tabaré Vázquez já agendou uma conversa com seu colega brasileiro nos EUA, durante a Assembleia-Geral da ONU, neste mês.

O chanceler Novoa explicita a agenda: "O Mercosul vai estar na agenda, sem dúvida. As chancelarias estamos trabalhando para superar a inação que há. Nosso objetivo é salvar o Mercosul".

SEM COMANDO

Como se sabe, o Mercosul está sem presidência desde que, no fim de julho, o Uruguai entregou o posto, sem que seus pares (Argentina, Brasil e Paraguai) aceitassem a assunção da Venezuela, que seria a presidente seguinte, pela ordem alfabética.

Ante o congelamento das relações Brasil/Venezuela, é óbvio que Temer reiterará a seu colega uruguaio que não é possível passar o comando de turno do bloco à Venezuela.

Ainda mais que a retirada dos embaixadores brasileiros nos três países que fizeram, antes, o mesmo em relação Brasil foi uma determinação direta do presidente, dada na Base Aérea de Brasília, pouco antes de embarcar na semana passada para a China.

Não foi, portanto, uma iniciativa do chanceler José Serra, que já vinha se atritando com Caracas até antes de assumir como chanceler interino.


Endereço da página:

Links no texto: