Folha de S. Paulo


'Melhor ter paz imperfeita que guerra perfeita', diz presidente colombiano

O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, disse que a candidata democrata nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, Hillary Clinton, "oferece mais garantias" para a paz do país sul-americano que seu concorrente, o republicano Donald Trump.

Em entrevista à AFP, o presidente, que alcançou um pacto histórico com a guerrilha das Farc para terminar com meio século de conflito armado, disse que as políticas de Trump "não estão muito em conformidade com o que a Colômbia quer".

Santos destacou o apoio de Hillary e de seu marido, o ex-presidente Bill Clinton, à paz por meio do Plano Colômbia, uma estratégia contra o narcotráfico ampliada depois à luta antiguerrilha, que enviou em 15 anos US$ 10 bilhões em fundos americanos ao país sul-americano.

Guillermo Legaria/AFP Photo
Colombia's President Juan Manuel Santos gestures during an interview with AFP at Casa de Narino presidential palace in Bogota, Colombia, on September 5, 2016. / AFP PHOTO / GUILLERMO LEGARIA ORG XMIT: GLS010
O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, durante entrevista no palácio presidencial em Bogotá

Ele disse também que gostaria de ver na prisão os guerrilheiros responsáveis por "crimes atrozes", mas está "100%" convencido de que "sempre é melhor uma paz imperfeita que uma guerra perfeita". Santos negou que com o pacto a Colômbia se torna um país "castrochavista", como afirmam seus principais opositores, os ex-presidentes Álvaro Uribe (2002-2010) e Andrés Pastrana (1998-2002).

Também disse que "depende do ELN" (Exército de Libertação Nacional, segunda guerrilha na ativa) instalar uma mesa formal de diálogo antes do plebiscito de 2 de outubro, no qual os colombianos votarão "sim" ou "não" para o acordo com as Farc.

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Os Estados Unidos estiveram muito próximos da Colômbia nos últimos 15 anos. Quem é o candidato presidencial que pode ajudar mais a implementar a paz?

Pela minha experiência, tanto Bill Clinton quanto Hillary foram grandes aliados da Colômbia. Foi Clinton quem iniciou o Plano Colômbia, que foi muito útil para alcançar o que alcançamos. Hillary também apoiou muito estas negociações quando trabalhou como secretária de Estado. Conheço os dois, e eles são muito amigos da Colômbia. Não conheço Trump, e as políticas de Trump não estão muito em conformidade com o que a Colômbia quer dos Estados Unidos, e com o que a Colômbia quis do mundo inteiro: livre comércio, políticas de imigração que sejam convenientes para todos os países. Neste sentido, pelo que conheço, a candidata Hillary Clinton oferece mais garantias.

Como ficou a par da conclusão do acordo com as Farc?

Estava em meu gabinete, pendente dos avanços. Às 18h45 a chanceler [María Ángela Holguín] me ligou de Havana. Ela disse: "Presidente, finalmente fechamos". Respirei fundo e comecei a pensar em tudo o que fizemos em tantos anos. Disse: "Por fim, que maravilha!". Demorei um pouco a assimilar o que havia acontecido, mas, com certeza, muito feliz. Muitas coisas me passaram pela mente, como nos filmes que vão a mil por hora. Muitas figuras, muitas, mas sobretudo um descanso. Finalmente, algo que muitas pessoas pensavam que era impossível, eu mesmo pensei muitas vezes que não seria possível, ter alcançado foi muito satisfatório. Ter conseguido perseverar foi muito importante.

Gostaria de ver presos os guerrilheiros?

Certamente eu gostaria de ver atrás das grades todos os que cometeram crimes atrozes. Mas prefiro a Justiça transicional para que não sigamos produzindo mais vítimas. Esta transação não é fácil de aceitar para muitas pessoas, mas é necessária se queremos a paz. Pensei que as vítimas seriam as mais duras, porque foram as que mais sofreram. Me demonstraram como eu estava equivocado. As mais generosas, as que mais me respaldaram as que mais disseram "presidente, persevere, não desista", foram as vítimas. Isto foi uma grande, grande lição de vida.

O historiador britânico Malcolm Deas disse que Uribe oferece a paz que os colombianos querem e não podem ter e o senhor a paz que não querem, mas podem ter. Concorda com ele?

Em 100%. A paz perfeita não existe, porque a paz perfeita implica a justiça perfeita, e a justiça perfeita torna impossível a paz. É uma paz imperfeita, mas sempre, sempre é melhor uma paz imperfeita que uma guerra perfeita.

O senhor lutou muito contra as Farc como ministro da Defesa de Uribe. Por que passou de falcão para pomba?

Nunca fui falcão nem pomba. Sempre fui um defensor da paz. E para que essa paz fosse possível era necessário negociar a partir de uma posição de força. Fiz as pazes com [o ex-presidente venezuelano Hugo] Chávez, meu grande inimigo, não porque concordasse com ele, e sim porque desejava que a região apoiasse esse processo. Não existe, acredito, um colombiano que tenha golpeado tanto as Farc como este servidor. E isso também me dá autoridade moral ante aqueles que não queriam a negociação. Envolvi os militares desde o início no processo de paz e, de bom grado, participaram. Isto é um aspecto chave.

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Colombia's President Juan Manuel Santos gestures during an interview with AFP at Casa de Narino presidential palace in Bogota, Colombia, on September 5, 2016. / AFP PHOTO / GUILLERMO LEGARIA ORG XMIT: GLS010
O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, durante entrevista no palácio presidencial em Bogotá

E por quê se opõem Uribe e Pastrana?

Não entendo. Buscaram a paz desesperadamente. O que faz com que duas pessoas que foram os piores inimigos agora estejam juntas? Será ódio, inveja? É uma força muito poderosa. Oxalá reflitam, a porta está aberta, sempre serão bem-vindos. Que bom que pudéssemos entre todos construir esta paz que o país necessita!

A Colômbia se tornará um país "castrochavista"?

Acusam-me de neoliberal, de ser da oligarquia, de direita. Sou do extremo centro e, se me diferencio de algum modelo, é do modelo de Chávez. Eu disse a ele quando fizemos as pazes: "Você tem o seu modelo, eu tenho o meu (...) Vamos lutar com resultados". E aí estão os resultados: olhe como está a Venezuela e olhe como está a Colômbia. O que existe no acordo com as Farc que faz com que pensem que estamos semeando algo do modelo "castrochavista"? Absolutamente nada.

É possível instalar o diálogo com o ELN antes do plebiscito?

Isto depende do ELN. Enviaram sinais neste sentido e eu afirmo: "Perfeito, libertem os sequestrados".


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