Folha de S. Paulo


Itamaraty revê ação econômica e política em cem dias de Serra

As declarações sobre Venezuela, os esforços para fazer com que Caracas não assuma a presidência do Mercosul e a resposta ao questionamento que classificou como "besta" da Organização dos Estados Americanos sobre o processo de impeachment de Dilma Rousseff são a face mais visível dos primeiros cem dias de José Serra à frente do Itamaraty, completados na sexta-feira (26).

A agenda do chanceler do presidente interino, Michel Temer, no entanto, mostra que as declarações mais contundentes contra o governo de Nicolás Maduro são apenas parte do novo perfil que Serra trouxe para o ministério.

Ex-senador, ex-governador, ex-prefeito, ex-ministro da Saúde e do Planejamento e ex-candidato à Presidência, Serra mantém, no Itamaraty, intensa agenda de diálogo com parlamentares, prefeitos e governadores.

Alanna Jessika Lima/AFP
Handout picture released by the Brazilian Foreign Ministry showing Venezuelan opposition leader Henrique Capriles (R) and Brazilian Foreign Minister Jose Serra during a meeting in Brasilia on June 14, 2016. Capriles is traveling to Brazil, Argentina and Paraguay seeking international support to put pressure on Venezuelan President Nicolas Maduro for him to accept the recall referendum. / AFP PHOTO / BRAZILIAN FOREIGN MINISTRY / ALANNA JESSIKA LIMA / RESTRICTED TO EDITORIAL USE - MANDATORY CREDIT
O chanceler José Serra recebe o líder opositor venezuelano Henrique Capriles, em junho

Segundo a Folha apurou, não é raro o chanceler receber em seu gabinete visitas de políticos para tratar de temas não diretamente ligados à pasta.

Boa parte da agenda também foi ocupada, nos primeiros três meses, por encontros com representantes de associações de produtores brasileiros de diversos setores, além de diretores de grandes empresas exportadoras.

POLÍTICA INTERNA

Um levantamento feito pela reportagem, a partir das agendas oficiais divulgadas por Serra e por seu antecessor, Mauro Vieira, nos cem primeiros dias no posto, mostra que, enquanto apenas 18% dos compromissos de Vieira eram encontros essencialmente políticos ou sobre questões comerciais, a proporção subiu para 45% com Serra.

Foram considerados compromissos políticos os que não estão diretamente relacionados à política externa e ao diálogo com outros ministros ou representantes do Executivo, como a posse do procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo (17/6) e a inauguração das obras de modernização do Instituto do Coração, em São Paulo (1º/8).

Dois meses após Serra assumir, foram remanejados temporariamente sete cargos comissionados do Planejamento para o Itamaraty que podem ser ocupados por pessoas de fora do ministério.

Para ao menos três postos, o tucano nomeou assessores que já trabalhavam com ele no Senado. Quatro foram designados para a representação do Itamaraty em SP e exercerão "cargos de confiança de assessoramento", segundo o MRE.

Procurado pela Folha, o ministro não quis se pronunciar. Sua a assessoria disse que a agenda condiz com as atribuições de chanceler, pois "não existe política externa desvinculada da interna".

ÊNFASE ECONÔMICA

No caso do comércio, era esperado um aumento no número de compromissos ligados ao tema, listado como prioridade no primeiro discurso de Serra como ministro, em 18 de maio.

A Apex (Agência de Promoção às Exportações) e a secretaria executiva da Camex (Câmara de Comércio Exterior), que eram parte do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, foram incorporadas ao Itamaraty.

Para Alberto Pfeifer, coordenador-adjunto do Gacint (grupo de análise da conjuntura internacional), da USP, a explicação para a agenda mais política e voltada para dentro está no próprio perfil de Serra, o primeiro chanceler não diplomata em 14 anos.

"Uma coisa é você ter um chanceler que é um diplomata de carreira, e outra é ter um chanceler que é um político com pouca experiência em temas externos, mas com enorme trajetória e pretensões na política doméstica", diz.

Pfeifer lembra ainda que Serra é ministro de um governo interino, situação vista com cautela no exterior: "Não dá para ser tão saliente lá fora". Isso se reflete no número de viagens: enquanto Vieira visitou 13 países em cem dias, Serra viajou para 6.

Argentinian Presidency/Reuters
Ministro das Relações Exteriores do Brasil, José Serra (esq.), é recebido pelo presidente Mauricio Macri
Serra é recebido pelo presidente argentino, Mauricio Macri, em Buenos Aires, em maio

MARCA NO ITAMARATY

Diplomatas consultados pela reportagem dizem acreditar que o tucano tentará imprimir sua "assinatura" no Itamaraty até 2018, como fez com a lei de incentivo aos medicamentos genéricos como ministro da Saúde (1998-2002) do governo FHC (1995-2003).

Uma opção seria um avanço expressivo na promoção comercial sob a tutela do Itamaraty. Outra, a coordenação de uma ação regional contra o narcotráfico e o contrabando.

Serra anunciou, em julho, que organizará um encontro com países do Cone Sul para discutir a cooperação no combate ao contrabando. Internamente, disse, pretende integrar os trabalhos dos diferentes órgãos que já atuam em relação ao tema. A proposta ganharia impulso com a criação de um Departamento de Assuntos de Defesa e Segurança, oficializada em julho.

Para Pfeifer, porém, Serra ainda está procurando sua "marca" no ministério. "Ele tentou nessa coisa de cortar a linha de orientação mais simpática aos países bolivarianos. Isso tem impacto midiático imediato, é fácil de fazer, mas não é a construção de algo novo. É uma negativa do que estava aí, então vão vale."

ASSESSORES RÉUS

Dois assessores nomeados em agosto para a equipe de Serra foram citados em investigações anteriormente.

Hideo Augusto Dendini, policial militar, foi um dos réus no Massacre do Carandiru, operação da PM que matou 111 presos em São Paulo em 1992. Ele e mais 18 policiais foram acusados de lesão corporal grave contra o detento Edson Xavier dos Santos, ferido na operação.

O processo contra Dendini foi extinto em 2010 porque o crime prescreveu.

Já o secretário Luiz Paulo Arcanjo foi citado pela PF na Operação Satiagraha, que investigou o banqueiro Daniel Dantas por supostos crimes financeiros e pagamento de propina a autoridades.

De acordo com investigação da PF revelada pela revista "Época" em 2011, Arcanjo teria recebido e-mails de um operador de Daniel Dantas, Roberto Amaral, com cobranças de favores políticos.

Na ocasião, o assessor, que já trabalhava para Serra, negou ter contato com Amaral. Ele nunca foi indiciado.

Evaristo Sá - 23.mai.16/AFP
Brazilian new Foreign Minister Jose Serra poses at his office at the Itamaraty Palace in Brasilia on May 18, 2016. / AFP PHOTO / EVARISTO SA ORG XMIT: ESA1038
Serra em seu gabinete de ministro das Relações Exteriores, no Palácio do Itamaraty, em Brasília

As nomeações de Dendini e Arcanjo são parte das mudanças feitas por Serra quando chegou à pasta.

Dois meses após o tucano assumir, foi publicado um decreto remanejando temporariamente sete cargos comissionados do Ministério do Planejamento para o Itamaraty, que poderiam ser ocupados por pessoas de fora do quadro do ministério.

Para três dos cinco postos mais altos, chamados de DAS-5, Serra nomeou assessores que já trabalhavam com ele no Senado: além de Arcanjo e Dendini, Francisco Marcondes Pereira.

Arcanjo recebeu um dos quatro cargos comissionados para o escritório do ministério em São Paulo.

A equipe já contava com quatro diplomatas e cinco oficiais de chancelaria, mais que embaixadas menores na África, como Serra Leoa e Guiné.

Em nota, o Itamaraty afirma que Arcanjo e Dendini "não têm qualquer espécie de pendência judicial". "Alves Arcanjo nunca foi investigado e o processo contra Dendini sobre o ocorrido em 1992 foi extinto", diz o texto.

Ainda segundo o ministério, os funcionários comissionados em São Paulo exercerão "cargos de confiança de assessoramento direto ao ministro" e suas funções "não se confundem" com as dos funcionários que já trabalham no escritório regional.


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