Folha de S. Paulo


Horrorizados com Trump, democratas sentem saudades de Mitt Romney

Quando o presidente Barack Obama disputou a reeleição, os democratas não esconderam seu desdém em relação a Mitt Romney. Tudo isso foi antes de Donald Trump.

Horrorizado com a perspectiva de Trump na Casa Branca, Obama e seu partido mudaram o discurso sobre Romney. Enquanto acusam Trump de "desequilibrado" e inadequado, mostram que têm saudades do candidato republicano de 2012, que agora descrevem como íntegro, competente e honrado.

É uma mudança profunda em relação a quatro anos atrás. Naquela época, os democratas gastaram centenas de milhões de dólares para retratar o ex-governador de Massachusetts como uma caricatura dos super-ricos, um homem insensível e que maltratava animais.

No entanto, como Trump está demonstrando, tudo na política é relativo.

"Ele estava nisso pelos motivos certos", disse Stephanie Cutter, segunda no comando de campanha de Obama em 2012, sobre Romney. "Ele realmente acreditava no desejo de melhorar este país. Apenas diferíamos, de modo significativo, da maneira como fazer isso."

Cutter disse que em 2012 os democratas tiveram confrontos ideológicos com Romney, mas que não duvidavam da sua índole nem da sua competência básica. Ela disse que, ao contrário de Trump, Romney não "fazia insultos ao longo de toda a campanha", nem caluniava minorias, nem ameaçava violar a Constituição ou abandonar aliados dos EUA.

O representante de Nova York, Steve Israel, um dos principais estrategistas de campanha do Partido Democrata, disse que "Romney era qualificado, mas tinha as ideias erradas. Trump é incompetente, perigoso e, além disso, tem as ideias erradas".

E o secretário de imprensa da campanha de Obama em 2012, Ben LaBolt, expressou o mesmo nestas palavras: "Eu acho que ninguém esperaria realmente que o país degringolasse" se Romney tivesse vencido. "Trump apresenta um nível totalmente diferente de ameaça", disse ele.

Carlo Allegri/Reuters
Republican presidential nominee Donald Trump speaks at a campaign rally in Tampa, Florida, U.S., August 24, 2016. REUTERS/Carlo Allegri ORG XMIT: CRA110
Candidato republicano às eleições de 2016, Donald Trump, em ato na Flória, este mês

VOLTEMOS A 2012

Um super PAC pró-Obama levou ao ar uma propaganda de televisão em que indiretamente afirmava que Romney havia causado a morte de uma mulher.

Os democratas o acusaram de crueldade contra os animais por meio de uma história de décadas a respeito de Seamus, o cão da família, forçado a andar no teto do carro em uma viagem. O vice-presidente Joe Biden disse a um público majoritariamente negro que Romney e seu companheiro de chapa iriam "acorrentar todos vocês de novo".

Ao mesmo tempo, Obama atacou a trajetória empresarial de Romney sem piedade, enquanto os democratas questionaram se o uso de contas no exterior, por parte Romney, o tornava um antipatriota. A campanha de Obama até sugeriu que Romney poderia ter cometido crime por deturpar sua situação profissional aos reguladores federais.

É uma grande ironia deste ano que os mesmos ataques democratas que pesaram a mão sobre Romney parecem descrever Trump corretamente. Onde Romney teve de minimizar sua fortuna, Trump se orgulha da riqueza que possui, e nega polêmicas sobre comentários percebidos como insensíveis a respeito de mulheres ou minorias.

Russ Schriefer, um dos principais assessores de Romney em 2012, disse que esperava que os democratas estivessem aprendendo que as palavras importam, mesmo na política.

"Não se surpreenda se as suas acusações contra Trump caírem em ouvidos moucos e não funcionarem, sendo que você as usou no passado contra uma pessoa que não se encaixava nessas descrições", disse ele.

Mas Steve Israel, que supervisou o trabalho democrata para ganhar lugares na Câmara naquele ano, disse não achar que os ataques tenham ido longe demais. Afinal, Romney e os republicanos foram igualmente duros com Obama, chamando-o de mentiroso e de presidente falido.

"A retórica esquenta dos dois lados da calçada em qualquer campanha", disse Israel.

Muitos republicanos também declararam que Trump é perigoso e inadequado para o Salão Oval. O principal deles é Romney, que implorou aos colegas republicanos durante as primárias que não nomeassem Trump, e o chamou de falso, fraude, valentão e vigarista.

"Nunca vi nada parecido, e parabéns a Romney por ter a coragem de suas convicções quando se trata de Trump", disse Dan Pfeiffer, diretor de comunicação de Obama na Casa Branca durante a campanha.

Atualmente, até Obama parece reconhecer que Romney não teria sido terrível —pelo menos em comparação a Trump. No início deste mês, Obama disse que teria ficado decepcionado se tivesse perdido para Romney em 2012 ou para o senador John McCain em 2008, mas nunca questionou a capacidade dos dois republicanos de realizar o trabalho.

Um representante de Romney se recusou a fazer comentários sobre o recente carinho dos democratas. Mas Eric Fehrnstrom, consultor de Romney de longa data, classificou a atitude como uma tentativa de fazer com que os eleitores republicanos se sintam mais à vontade com a ideia de votar em Hillary Clinton.

"Ele sabe que qualquer expressão de apoio a ele que venha agora dos democratas é puramente política", disse Fehrnstrom. "Algo totalmente falso."


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