Folha de S. Paulo


Manifestação que simulava ataque do Estado Islâmico causa pânico em Praga

Usando barbas falsas, homens conduziram um veículo militar Hummer para a praça da Cidade Velha de Praga no domingo (21), brandindo falsas submetralhadoras e agitando uma bandeira da facção terrorista Estado Islâmico. Acompanhados por um camelo e uma cabra, gritaram "Allahu akbar" (Deus é maior) e dispararam suas armas sem projéteis.

"Viemos trazer a vocês a luz da fé verdadeira", disse aos presentes o líder do grupinho, Martin Konvicka, que estava vestido de imã. Konvicka é ativista anti-imigração, e sua brincadeira –que contava com a aprovação prévia da Prefeitura– tinha por objetivo soar o alarme sobre a possível ameaça representada pela influência intrusiva do islã sobre o modo de vida tcheco.

Evidentemente, porém, ele não tinha previsto como ela seria recebida. Praga é uma das cidades mais visitadas da Europa central; turistas lotam a Cidade Velha medieval e o vizinho Josefov, o histórico bairro judaico, além de atrações das redondezas como a Ponte Carlos e o Castelo de Praga.

O que é Estado Islâmico

A falsa ocupação islâmica provocou pânico entre os turistas, incluindo um grupo de israelenses. Dezenas de pessoas, algumas delas com crianças, correram para se proteger, derrubando cadeiras de restaurantes. Vários turistas sofreram contusões.

"Eu estava chegando à praça da Cidade Velha vinda do lado oposto e ouvi tiros", contou uma moradora de Praga, Andrea Steinova. "Vi um grupo de umas 40 pessoas correndo em minha direção, algumas delas gritando em hebraico. Duas pessoas tropeçaram e caíram, e as outras passaram por cima delas."

Kristyna Vinsova, garçonete no restaurante Kotleta, na praça, contou que cerca de 80 pessoas invadiram o local. "Derrubaram mesas e cadeiras. Estavam completamente apavoradas, e havia famílias com crianças. Depois de uns 15 minutos, um homem saiu para ver o que estava ocorrendo e voltou para nos dizer que era uma 'performance teatral'. Mas muitas das pessoas levaram uma hora até se acalmar e ir embora."

Aaron Gunsberger, dono de um restaurante kosher no bairro judaico, agarrou sua arma e correu para a praça, achando que estava acontecendo um ataque. "Quando me dei conta do que estava acontecendo, falei a alguns turistas americanos perplexos que era apenas nosso palhaço local, mas não achei engraçado", ele comentou.

O que é Estado Islâmico

"Se tivessem aparecido daquele jeito em frente ao meu restaurante, eu estaria na cadeia agora, porque teria atirado neles."

As leis relativas a armas de fogo são menos restritivas na República Tcheca que na maior parte do resto da Europa, e, como muitos bairros judaicos europeus, o de Josefov é protegido com cuidado. Suas sinagogas e seu cemitério só sobreviveram à Segunda Guerra Mundial porque os nazistas queriam que o bairro ficasse como um museu da raça judaica que seria extinta.

A performance no fim de semana foi interrompida antes de chegar ao final planejado: o assassinato simulado, na praça, de um prisioneiro vestido de macacão laranja. O ministro do Interior tcheco, Milan Chovanec, não achou graça. No Twitter, descreveu o protesto como um sinal de "idiotice".

Nem todos os turistas entraram em pânico. Imagens filmadas mostram algumas das pessoas na praça tirando fotos, fazendo vídeos ou até gargalhando. Outras pessoas xingaram os participantes no ato; uma mulher gritava "xenófobo! Xenófobo!" aos homens.

Entomologista na Universidade da Boêmia do Sul, em Ceske Budejovice, no sul do país, Konvicka fundou um grupo intitulado "Não queremos o islã na República Tcheca". Ele descreveu o protesto como "A Ocupação de Praga" e o programou para o domingo, o 48º aniversário da invasão soviética da Tchecoslováquia em 1968.

Em sua página no Facebook, Konvicka descreveu a operação como sucesso. "Até alguns muçulmanos começarem a gritar agressivamente e tentar aproximar-se dos atores, tudo estava acontecendo muito pacificamente", ele escreveu.

Por telefone, Konvicka disse que era óbvio que o falso ataque era apenas brincadeira. "A polícia checou nossas armas de brinquedo e chegou a contar quantos homens barbados havia no nosso grupo, para se certificar de que não mudássemos o que tínhamos dito à Prefeitura que faríamos."

Um porta-voz da polícia de Praga, Thomas Hulan, disse que a polícia não tinha poderes para proibir o ato, já que tinha sido aprovado pela Prefeitura. A polícia teria interrogado oito pessoas e estaria estudando a possibilidade de indiciar alguém por perturbar a paz pública.

Representantes da Prefeitura defenderam a decisão de autorizar o protesto, mas admitiram que não tinham entendido completamente o que ia acontecer. "Tínhamos apenas informações muito básicas sobre como seria o espetáculo", falou um porta-voz da Prefeitura, Vit Hofman. "Se soubéssemos o que iria acontecer, com certeza teríamos proibido o ato."

Como outros países da Europa, a República Tcheca teme o terrorismo islâmico, temor esse que está sendo explorado por atores de todo o espectro político.

Neste mês um mecânico de 25 anos de uma pequena cidade tcheca, homem solitário que em janeiro tentara viajar para a Síria, foi acusado de tentativa de terrorismo. De acordo com as autoridades, foi o primeiro caso conhecido de um cidadão tcheco tentando unir-se ao Estado Islâmico.

O caso gerou preocupação com a possibilidade de que o radicalismo islâmico tenha migrado para a Europa do leste e central. Na República Tcheca, esses receios estão sendo alimentados pelo presidente Milos Zeman, que avisou no ano passado que os membros do Estado Islâmico precisam ser esmagados para prevenir um "super Holocausto" e sugeriu que os tchecos talvez queiram se armar.

O país tem 10,5 milhões de habitantes, dos quais cerca de 20 mil são muçulmanos.

Tradução de CLARA ALLAIN


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