Folha de S. Paulo


Visto como herói e autocrata cruel, Fidel Castro chega aos 90 anos

Fidel Castro completa 90 anos neste sábado (13). Sua revolução, uma das mais duradouras, já completou 57 anos. Uma década se passou desde que ele transmitiu o poder a seu irmão Raúl, 85.

Poucos líderes revolucionários conseguiram governar por tanto tempo. Menos ainda, se é que algum, sobreviveram por tanto tempo após abrir mão da sua autoridade.

Sob qualquer forma de avaliação, ele foi o mais proeminente líder da América Latina no século 20. O que não está claro é como ele vai ser lembrado —por governar Cuba com uma agenda progressista ou por manter a ilha isolada e subdesenvolvida.

Alguns cubanos estão convencidos de que Fidel continua mantendo poder supremo sobre a ilha. A maioria dos observadores, entretanto, está certa de que Raúl está no controle e questiona-se apenas quanta influência Fidel ainda tem sobre as questões do Estado.

É uma questão difícil de responder. Exceto pelos mais altos escalões do governo, o processo político cubado é opaco. O que acontece nos altos círculos do governo é desconhecido fora deles. O resto de nós é forçado a especular.

Ele provavelmente ainda tem alguma força política.

O lento progresso do programa de reforma econômica de Cuba, uma prioridade para Raúl, deixa a impressão de que um peso-pesado da política está fazendo força no sentido oposto.

Desde a aprovação do programa, cinco anos atrás, em uma das raras cúpulas do Partido Comunista, apenas 20% das suas medidas foram implementadas, de acordo com o próprio Raúl.

REAPROXIMAÇÃO

Fidel, entretanto, nem sempre consegue o que quer. Quase todas as interpretações dos seus intermitentes textos publicados sugerem que ele não está feliz com a forma pela qual seu sucessor administra as relações com os EUA.

Ele foi muito crítico, por exemplo, à forma como ocorreu a viagem da família do presidente norte-americano Barack Obama a Havana, em março de 2016, mas sua influência nessa questão parece no máximo modesta.

Outra área de especulação é a capacidade de se sustentar do Estado socialista governado por Fidel e Raúl por meio século —ou se Cuba vai ser atraída à órbita gravitacional dos EUA e se encaminhar para alguma forma de democracia representativa com economia de mercado.

Alguma mistura estranha pode surgir, mas a maior probabilidade é que prevaleça a atração dos EUA. Com a Venezuela se aproximando do colapso, a economia de Cuba já se tornou mais dependente dos visitantes dos EUA e das remessas internacionais.

Os EUA há tempos servem de ponto de referência para Cuba. Desde o início do governo revolucionário, Fidel definiu Cuba como adversária dos EUA, com valores que são antítese dos americanos.

Para as novas autoridades cubanas, o patriotismo significava a remoção de todos os vestígios de influência americana da ilha, e o bloqueio a qualquer invasão do gigante do norte na soberania da ilha.

Hoje, ao contrário, a maioria dos cubanos está entusiasmada pela renovação das relações normais com os EUA —como foi muito ilustrado pela sua animada recepção a Obama, e à grande empolgação em torno da sua visita.

Isso não significa que os cubanos se alinhem às políticas dos EUA, ou que estejam prontos para adotar os valores americanos, mas eles querem enterrar as hostilidades.

Eles veem a reconciliação como o caminho para o mundo moderno, a tecnologia, informação e a novas oportunidades —e talvez um fim à luta diária para se alimentar.

Os cubanos não estão mais interessados em proteger ideias envelhecidas sobre como o mundo deve funcionar. Ao contrário, eles querem participar do mundo.

LEGADO

Fidel Castro tem sido uma figura controversa e polarizadora da história da América Latina, mas certamente será um dos seus capítulos mais importantes.

Para muitos, ele continua sendo um herói por sua luta contra a dominação americana em seu próprio país e em assuntos hemisféricos. Cuba foi a única nação latino-americana a se manter independente dos EUA durante a Guerra Fria (1945-1991).

Como nenhum outro líder latino-americano, Fidel vai ser lembrado por chamar a atenção para as grandes injustiças sociais e as profundas desigualdades em riqueza e oportunidades.

Mas muitos outros o consideram um autocrata cruel, que insistiu em controlar todos os aspectos da vida em Cuba —e que sacrificou seus cidadãos a uma ideologia fora de moda que não funciona e a suas próprias ambições.

Ele foi o homem que iniciou um experimento corajoso. Mas suas ideias nunca evoluíram. Ele deixou seu país pobre e atrasado.

O mundo deixou Fidel e Cuba para trás.

*

A VIDA DE FIDEL
Momentos marcantes do líder cubano

1953
Ao lado de Raúl, lidera grupo de 150 homens em ataque frustrado ao quartel de Moncada, em Santiago de Cuba. A maioria dos detidos é executada. Capturado, Fidel é condenado a 15 anos de prisão.

Dois anos depois, é solto em uma anistia geral; reúne homens para iniciar uma guerrilha contra o ditador Fulgencio Batista, aliado dos EUA.

1959
Revolucionários derrubam Batista em janeiro. Fidel (na foto, no centro do jipe) assume como premiê e reúne multidões em Havana para ouvi-lo. Em maio, anuncia a nacionalização das grandes fazendas e um plano de reforma agrária. Visita os EUA e é recebido com simpatia, apesar das desconfianças de que escondia sua ideologia comunista

1960-1961
Em setembro de 1960, Fidel faz seu 1º discurso na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, e fala por 4 horas e 29 minutos. No ano seguinte, as relações diplomáticas com os EUA são rompidas, e Fidel declara Cuba um Estado socialista.

Um dia depois, começa a fracassada invasão da baía dos Porcos, promovida por 1.500 exilados cubanos com apoio da CIA.

1962
Em fevereiro, EUA declaram embargo econômico total à ilha. A União Soviética torna-se o maior parceiro de Cuba. Em outubro, Washington impõe bloqueio naval à ilha para impedir a instalação de silos para o lançamento de mísseis nucleares da URSS.

Em novembro, os EUA declaram o fim do impasse e levantam o bloqueio; a URSS retira os mísseis de Cuba, pondo fim ao temor de uma grande guerra atômica

1964
Após o golpe militar, Brasil rompe relações diplomáticas com Cuba. No ano seguinte, Fidel enviaria ajuda a revolucionários na Argentina, Brasil e Venezuela.

1980
Fidel abre o porto de Mariel por cinco meses e permite a emigração de cidadãos cubanos. Mais de 100 mil fogem para os Estados Unidos

1991
URSS se desintegra; sem o aliado, Cuba começa o "período especial", com restrições econômicas e abertura aos dólares americanos

2001
Em junho, Fidel desmaia durante discurso e aponta seu irmão Raúl como futuro sucessor.

2003
Assiste à posse de Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil. Onda de repressão em Cuba deixa saldo de 75 dissidentes condenados a até 28 anos de prisão e o fuzilamento de três homens que sequestraram uma lancha.

Fidel alega reação a uma suposta conspiração do governo de George W. Bush.

2014-2015
Em dezembro, Barack Obama e Raúl Castro anunciam a retomada das relações diplomáticas. Fidel diz não confiar nas políticas dos EUA, mas apoia "solução pacífica"

2016
Em sua última aparição pública, em abril, participa do 7º Congresso do Partido Comunista e fala sobre a expectativa da morte. "Em breve serei como todos os outros"


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