Folha de S. Paulo


análise

A Venezuela não pode se consertar sozinha

O governo venezuelano e seus antagonistas, os partidos oposicionistas agora no controle da Assembleia Nacional, finalmente concordaram em iniciar um diálogo para buscar soluções para a política adversa e o desespero econômico do país.

Um diálogo sério talvez seja o único caminho para uma solução pacífica. A única alternativa evidente seria a tomada do poder pelos militares —o que poderia ter como resultado, no melhor cenário, novas eleições e o rápido retorno a um governo civil, ou, no cenário mais perigoso, um longo regime militar.

Ninguém pode estar certo de que o diálogo proposto, mediado pela Unasul (União das Nações Sul-Americanas), terá resultado positivo.

Os dois lados estão a quilômetros um do outro nos diagnósticos que fazem dos problemas da Venezuela e o que fazer sobre deles. Cada lado considera o outro culpado de ter desencadeado a crise e de frustrar sua solução.

Nenhum dos dois lados parece estar minimamente disposto a cooperar com o outro.

Tirando seu apoio vago ao diálogo, a maioria dos governos da região optou por manter distância do conflito potencialmente explosivo (apenas um líder regional engajou-se seriamente com a crise: o secretário-geral da OEA, Luis Almagro, que censurou as violações constitucionais do governo e defendeu uma intervenção externa ).

O sucesso das negociações vai depender sobretudo dos venezuelanos, mas o envolvimento ativo de outros países aumentaria as chances de um resultado favorável.

A política externa dos EUA pode ter consequências de longo alcance. Embora sua influência tenha diminuído, o país ainda têm peso considerável em temas regionais.

Mas os EUA enfrentam um conjunto politicamente complicado de opções quando se trata da Venezuela, e tem tido dificuldade em encontrar o ponto correto de equilíbrio.

Há pressões internas para que os EUA adotem uma linha mais dura com o governo venezuelano, autoritário e repressor. Mas a maioria dos países latino-americanos é contra até as sanções leves já impostas pelos EUA.

Sanções adicionais poderiam perturbar a frágil base para um diálogo e reduzir mais ainda as perspectivas de uma cooperação EUA-América Latina. E a população venezuelana, que já passa por dificuldades grandes, poderia ser prejudicada.

Mas as medidas diplomáticas dos EUA, lideradas pelo enviado sênior Tom Shannon, tampouco tiveram grande resultado. As relações dos EUA com a Venezuela continuam adversativas e tensas.

Os EUA possuem alguma influência com os oponentes de Nicolás Maduro e devem continuar a apoiar os esforços da oposição para restaurar a prática democrática e o Estado de direito na Venezuela.

Federico Parra/AFP
Venezuelan President Nicolas Maduro (R) holds a sword, given as gift by Russian oil company Rosneft's CEO, Igor Sechin, during the signing of agreements at Miraflores presidential Palace in Caracas on July 28, 2016. / AFP PHOTO / FEDERICO PARRA ORG XMIT: FPZ509
Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, empunha uma espada dada de presente pelos russos

Mas Washington também deveria incentivar a oposição a buscar metas realistas e moderadas em seu diálogo próximo com o governo. As dificuldades econômicas do país e a escassez de alimentos e remédios já criaram uma emergência humanitária; esse talvez seja o ponto certo pelo qual iniciar negociações.

Pode ser melhor adiar a discussão de questões políticas delicadas até que o diálogo tenha avançado um pouco. Mas isso não será facilmente aceito pela maioria dos grupos oposicionistas.

A maioria deles se mantém firme na reivindicação de um referendo para abreviar o mandato presidencial neste ano, algo que o governo rejeita porque poderia impor o fim do governo chavista.

Os EUA não podem determinar a atitude da oposição nas negociações, mas podem ser uma influência moderadora e unificadora.

China e Cuba podem ter influência semelhante sobre o governo Maduro. A China é a principal fonte de financiamento externo da Venezuela. Seus conselhos sobre questões econômicas precisam ser ouvidos por Caracas.

Venezuela e Cuba são aliadas do país desde a eleição de Hugo Chávez em 1998, embora a aliança tenha sido enfraquecida pela morte de Chávez e a reconciliação de Cuba com os Estados Unidos.

Em parte em troca de milhares de professores, médicos e assessores de segurança, a Venezuela deu a Cuba apoio avaliado em US$5 bilhões por ano. Mas os valores estão diminuindo, e a economia cubana sofre por isso.

Os líderes cubanos mantêm-se em consulta estreita com autoridades venezuelanas. Não foi revelado que conselhos dão à Venezuela.

O Brasil, no passado fonte de apoio à Venezuela, enfrenta as próprias dificuldades e perdeu boa parte da influência no país, além de sua liderança na política regional, e não deve exercer um papel na Venezuela por algum tempo.

Nenhum outro país latino-americano é capaz de mobilizar um esforço regional coletivo para auxiliar Caracas.

A crise da Venezuela é uma prova para os EUA e a América Latina. Até agora a cooperação regional fracassou.

PETER HAKIM é presidente emérito do Inter-American Dialogue (Washington)


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