Folha de S. Paulo


Trump arrisca afastar comunidades de militares dos Estados-pêndulos

Donald Trump está travando uma disputa explosiva com republicanos em Washington e enfrenta deserções humilhantes de setores de seu próprio partido. São reveses que desestabilizaram sua campanha ao nível nacional.

Mas, entre o eleitorado, ele também corre o risco de afastar uma base ainda mais crucial para ele nos Estados indecisos que vão decidir a eleição presidencial: as comunidades militares consternadas com suas declarações toscas e às vezes ofensivas sobre as Forças Armadas.

Desde a semana passada, quando ele entrou em choque com Khizr e Ghazala Khan, pais de um capitão muçulmano do Exército morto no Iraque, Trump reacendeu várias polêmicas em relação a como ele encara os militares.

Chamaram atenção suas declarações de escárnio em relação à captura do senador John McCain no Vietnã e ao fato de ele próprio ter evitado prestar serviço militar durante a mesma guerra.

No fim de semana, Trump atacou o general John R. Allen, fuzileiro naval aposentado que endossou Hillary Clinton para a Presidência, descrevendo-o como "general fracassado", e, em um evento de campanha na terça (2), fez uma brincadeira sobre ter supostamente recebido uma medalha Purple Heart (Coração Púrpura), condecoração dada a militares feridos em combate.

Esses erros colocam Trump em risco no coração do mapa eleitoral americano.

VÍNCULOS MILITARES

Em vários Estados importantes, sua trajetória mais realista para uma possível vitória depende de áreas que têm vínculos estreitos com as Forças Armadas, incluindo o norte da Flórida, o litoral da Virgínia e de New Hampshire e várias cidades situadas perto de bases militares na Carolina do Norte, Colorado e Arizona.

Em Portsmouth, New Hampshire, cidade litorânea próxima a uma grande instalação naval, vários eleitores militares manifestaram dúvidas sérias em relação a Trump.

O veterano do Exército Roger Palmer, 56, opinou que o tratamento dado por Trump aos Khan e a McCain foi "antipresidencial".

Palmer, que se descreve como conservador e usava boné de beisebol com o slogan "Junte-se ou Morra", usado na Guerra da Independência dos Estados Unidos, disse que não pretende votar nem em Trump nem em Hillary.

"Ele é basicamente um sujeito imprevisível, irresponsável", disse Palmer a respeito de Trump, explicando que votou no senador Ted Cruz na primária de New Hampshire. "Eu não quero realmente ninguém do establishment, mas acho que o líder deve ter uma atitude presidencial, de líder."

ESTADOS-PÊNDULO

Se mesmo uma parte apenas dos eleitores militares de viés republicano retirarem seu apoio a Trump, isso pode enfraquecer o candidato seriamente nos Estados onde ele já enfrenta dificuldades em função de sua impopularidade profunda entre o eleitorado feminino e as minorias raciais.

Entrevistas feitas nesta semana com mais de 50 eleitores ligados às Forças Armadas em cinco Estados-pêndulo mostraram que Trump talvez não tenha perdido o apoio de muitas pessoas que continuam a defender sua campanha com firmeza. E vários veteranos de guerra que expressaram rejeição pessoal a Trump disseram que vão votar nele mesmo assim, como alternativa a Hillary.

Mas está claro que os comentários desairosos de Trump em relação às Forças Armadas são um obstáculo à sua conquista de mais eleitores, que ele precisa atrair se quiser ultrapassar Hillary nas pesquisas.

ESTADOS-PÊNDULO - Saiba como estão os candidatos em Estados decisivos, em %

Para alguns eleitores republicanos e independentes interessados em Trump, seu comportamento em relação aos militares ainda é um problema.

Em Colorado Springs, Colorado, perto da Academia da Força Aérea e do quartel-general do Comando do Norte, Marianne Quast, mãe de um veterano da Força Aérea, contou que a franqueza de Trump a atraiu inicialmente.

Mas agora ela rejeita o modo desrespeitoso em que ele fala dos militares, incluindo sua resposta ao casal Khan e a brincadeira que ele fez em relação ao Purple Heart. Ela diz que treme de medo diante da ideia de ver seu filho servindo nas Forças Armadas sob um presidente tão intempestivo.

"Honestamente, eu teria medo de uma terceira guerra mundial. E toda aquela rapaziada que ainda está fazendo o serviço militar. Deus queira que não elejamos Trump", disse Quast. "Está claro que ele não tem o menor respeito por veteranos de guerra, não importa o que diga."

Na quarta-feira (3), Trump tomou medidas para proteger-se das críticas crescentes e enfatizar seu apoio às Forças Armadas.

Num evento de campanha em Daytona, Flórida, ele foi apresentado por Michael Flynn, general aposentado do Exército que assessora sua campanha. E, antes de um comício em Jacksonville, o candidato se reuniu com famílias Gold Star (que perderam um membro durante o serviço militar) e declarou mais tarde que elas são "pessoas incríveis".

REPREENDIDO

Mas Trump continuou a ser repreendido nesta semana por veteranos de guerra destacados que ocupam cargos públicos.

Na segunda-feira (1º), o senador McCain divulgou comunicado áspero evocando o longo histórico de serviço militar de sua própria família para denunciar os comentários feitos por Trump sobre o casal Khan.

Na quarta-feira (3), o deputado republicano Adam Kinzinger, do Illinois, veterano das guerras do Iraque e Afeganistão, disse que não vai votar em Trump.

E defensores de veteranos de guerra vêm fazendo críticas a Trump. A entidade Veteranos de Guerras no Exterior considera imperdoáveis os comentários do candidato sobre os Khan. E o ex-oficial comandante de Humayun Khan, o capitão morto, escreveu no jornal "Washington Post" que as palavras de Trump foram "um ataque a todos os americanos patrióticos e leais que fizeram sacrifícios".

É difícil avaliar exatamente como fica a corrida presidencial entre os eleitores com vínculos militares. Trump parece ter uma base leal de seguidores entre veteranos de guerra e suas famílias; ele já se descreveu como defensor dos veteranos e prometeu "fazer uma faxina" no Departamento de Assuntos dos Veteranos.

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Pesquisa Gallup feita em julho, antes da polêmica mais recente envolvendo Trump, constatou que os veteranos estão divididos meio a meio na avaliação que fazem do candidato republicano. Metade o vê positivamente e metade tem uma visão desfavorável dele. Já Hillary Clinton se saiu muito pior: apenas 27% dos veteranos têm impressão favorável dela, segundo a pesquisa.

Neil Newhouse, pesquisador republicano que assessorou Mitt Romney em 2012, prevê que os eleitores militares tenham um papel influente em 2016, porque as questões de segurança nacional são cruciais na campanha. Ele disse que, nas pesquisas que fez na época, a campanha de Romney descobriu que cerca de um em cada oito eleitores cadastrados prestou serviço militar.

DESENTENDIMENTO

Em alguns bolsões da comunidade militar mais ampla, Trump virou motivo de desentendimento entre amigos.

Em Portsmouth, Bill Pierson, voluntário da Legião Americana e da organização Veteranos de Guerras no Exterior, disse que acredita muito em Trump e está disposto a perdoá-lo por algumas declarações impensadas.

Mas Phil Young, 61, que serviu o Exército e nos fuzileiros navais por 27 anos, se disse preocupado em relação ao candidato republicano e falou de suas reservas em relação a ele, ressaltando os obstáculos que Trump ainda tem pela frente.

Young disse que é eleitor republicano cadastrado, mas ainda está indeciso em relação a seu voto.

"Não gostei nada do que ele falou sobre o Purple Heart nem do que ele disse sobre o fato de John McCain ter sido prisioneiro de guerra", disse Young. "Acho interessante o que ele fala sobre os militares, considerando que ele próprio nunca prestou serviço militar."

Tradução de CLARA ALLAIN


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