Folha de S. Paulo


Carisma, idas e vindas e escrutínio público são desafios para Hillary

A mãe de Hillary Clinton, Dorothy, costumava dizer: "Todo mundo cai. O que importa é se levantar e seguir".

"Melhor conselho que recebi", já afirmou a filha, que tombou várias vezes até virar a primeira mulher a disputar a Casa Branca.

Vista como candidata natural em 2008, ela assistiu a um senador iniciante roubar os holofotes na Convenção Nacional Democrata. Oito anos depois, Barack Obama lhe passou o bastão : "Nunca existiu alguém —nem eu, nem Bill [Clinton, marido e ex-presidente]— mais qualificado para ser presidente".

Em 2016, quando todos davam como certa sua vitória, pôs seu cacife eleitoral em dúvida ao demorar a vencer, nas prévias partidárias, Bernie Sanders e sua promessa de "revolução política".

Era o recado das ruas: a ascensão de Sanders e, entre os republicanos, do calouro político Donald Trump mostravam que o eleitorado estava farto do "establishment".

Poucos vestem essa carapuça tão bem quanto a ex-primeira-dama e ex-senadora de Nova York, que visitou 112 países e voou 1,5 milhão de quilômetros após ser convidada por Obama para secretária de Estado (2009-13).

Hillary, 68, circula pela arena política há 40 anos, desde que o marido concorreu ao governo do Estado do Arkansas, cinco anos após conhecer a "loira de óculos grandes e sem maquiagem". Não há quem resista a "décadas de críticas", disse à Folha Leah Daughtry, presidente da convenção democrata.

De votar pela guerra do Iraque em 2003 e depois condená-la a rechaçar o casamento gay e hoje defender a causa, o vaivém ideológico de Hillary é frequente. As críticas, porém, não miram só o currículo, mas sua personalidade.

Por anos, foi cobrada por não ter o carisma de Bill e, quando ele virou presidente, até o modo de ela prender o cabelo era tratado como atentado à segurança nacional (a questão ressurgiria quando ela foi secretária de Estado).

Em abril, deu uma entrevista à revista "US Weekly" que virou a reportagem "25 Coisas que Você Não Sabe Sobre Mim". Assim o eleitorado conheceu uma Hillary que faz ioga ("não o bastante"), é péssima cantora ("por favor, mamãe, pare", suplicou a filha quando criança) e já trabalhou eviscerando salmão.

Se a meta era humanizar a mulher de Bill, 69, mãe de Chelsea, 36, e avó de Charlotte e Aidan, de 22 e 1 mês, o tiro pela culatra veio em contrapartidas satíricas como a do apresentador Bill Maher, que bolou 25 fatos fictícios de Hillary, como "demoro 72 horas para ser espontânea".

Mira Patel, sua assessora no Departamento de Estado, lembrou à reportagem que a ex-chefe costuma dizer que sua popularidade aumenta "quando está no escritório, fazendo coisas".

Hoje, 67% do eleitorado diz não confiar em Hillary. A má impressão remete a 1993, quando Hillary foi acusada de favorecer aliados no governo, e foi agravada pela revelação recente de que ela usou um e-mail privado para lidar com informações de Estado.

VULNERÁVEL

Durante a campanha, é normal que candidatos fiquem mais vulneráveis, sob escrutínio de rivais e da mídia. Mas, num país onde mulheres são metade da população e só preenchem 104 das 535 cadeiras do Congresso, o componente machista fala alto, opina Patel.

"Da perspectiva de uma mulher jovem em Washington, o sexismo aqui é muito real. Para mulheres, ser amável e poderosa parece ser visto como incongruente."

Em sondagem da CNN, 92% dos entrevistados dizem que votariam numa mulher para presidente (eram 33% em 1933). É a rachadura no "telhado de vidro", metáfora para o limite ao avanço feminino que Hillary citou ao agradecer a nomeação.

O problema, diz Patel, é entender o que esperar de uma líder. "As pessoas gostam de pensar que podem tomar uma cerveja com o presidente", diz. "Eu me divertiria bebendo com Hillary, mas prefiro que ela seja presidente e lute por igualdade de gêneros."


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