Folha de S. Paulo


Com derrotas do Estado Islâmico, EUA e Iraque se preparam para insurgência

O último ataque suicida da facção terrorista Estado Islâmico em Bagdá, que matou cerca de 330 pessoas, prenuncia uma insurgência longa e sangrenta, de acordo com diplomatas e comandantes norte-americanos, quando o grupo volta às suas origens de guerrilha, porque seu território está encolhendo no Iraque e na Síria.

Autoridades dizem que muitos combatentes do Estado Islâmico que perderam batalhas em Fallujah e Ramadi se misturaram entre a população civil em grande parte sunita, e estão ganhando tempo para realizar futuros ataques terroristas.

Alaa al-Marjani - 10.jun.2016/Reuters
Veículos das forças aliadas ao governo do Iraque fazem patrulha na periferia de Fallujah
Veículos das forças aliadas ao governo do Iraque fazem patrulha na periferia de Fallujah

E com poucos sinais de que o primeiro-ministro iraquiano sob ataque, Haider al-Abadi, possa efetivamente forjar uma parceria inclusiva com os sunitas, muitos altos funcionários norte-americanos advertem que uma vitória militar na última fortaleza urbana de Mossul, que eles esperam alcançar até o final do ano, não será suficiente para evitar uma insurgência letal.

"Para derrotar uma insurgência, o Iraque precisaria avançar na sua agenda de reformas políticas e econômicas", disse o tenente-general Sean B. MacFarland, o principal comandante dos EUA no Iraque, em um e-mail.

Um retorno à guerra de guerrilha no Iraque, enquanto os Estados Unidos e seus aliados ainda combatem o Estado Islâmico na Síria, representaria um dos primeiros grandes desafios para o próximo presidente dos EUA, que assumirá o cargo em janeiro.

A opinião pública norte-americana apoiou, até agora, o deslocamento de cerca de 5.000 soldados, decidida pelo presidente Barack Obama, para ajudar o Iraque a recuperar o território perdido para o Estado Islâmico em 2014, mas não está claro se o apoio político se dissiparia com um esforço sustentado para combater os insurgentes.

Para diplomatas e comandantes norte-americanos, o espectro de uma insurgência ressuscita algumas das lembranças mais amargas do envolvimento dos Estados Unidos no Iraque nos últimos 13 anos.

Autoridades expressam preocupação sobre como esse tipo de desordem —que foi conduzida por uma série de atos anteriores do Estado Islâmico e que quase paralisou o governo do Iraque quando os Estados Unidos tinham mais de 100 mil soldados no país— poderia afetar a estabilidade do Iraque e a campanha mais ampla para derrotar o Estado Islâmico.

Em uma visita recente ao Iraque, o secretário de Defesa americano, Ashton Carter, reconheceu esses desafios iminentes e observou que derrubar o Estado Islâmico em centros urbanos como Mossul "não vai estabelecer o controle sobre a totalidade do território" e que os combatentes iriam "tentar aterrorizar a população".

TERRORISMO

O Estado Islâmico está cada vez mais lutando menos como um exército convencional do que como "uma força mais do tipo terrorista", disse o general Joseph L. Votel, comandante das forças dos EUA no Oriente Médio, nesta semana.

No campo de batalha, o Estado Islâmico redobrou o uso de homens-bomba e emboscadas para atacar as forças de segurança iraquianas. Apesar de perder cerca de metade do território conquistado no Iraque, realizou o ataque suicida em Bagdá neste mês, um dos atentados a bomba mais mortais na história do Iraque.

"Quando o exército do EI for derrotado em Mosul e em outros lugares no Iraque, ainda haverá células terroristas do Estado Islâmico que tentarão continuar a realizar o tipo de ataque terrorista que vimos em Bagdá e em outros lugares nos últimos meses", disse o general David H. Petraeus, o ex-comandante principal dos EUA no Iraque, por e-mail.

Altos funcionários iraquianos concordam. "Absolutamente, o Daesh continuará a ser uma ameaça potencial para o Iraque", disse o ministro de Relações Exteriores do país, Ibrahim al-Jaafari, a repórteres em Washington esta semana, usando um termo árabe para o grupo.

Oficiais militares dos EUA em Bagdá disseram que não haviam visto o contingente do Estado Islâmico com mais de cem soldados no campo de batalha desde dezembro, quando um grupo de várias centenas atacou uma base no norte do Iraque.

"Temos visto cada vez mais seus homens com coletes à prova de balas tentando correr para edifícios do Exército iraquiano ou no meio de uma luta em um grande grupo de soldados", disse o coronel Christopher Garver, porta-voz militar no Iraque.

INFILTRAÇÃO

Depois de perder batalhas para os iraquianos, alguns combatentes do Estado Islâmico tentaram se misturar entre grupos de civis que fugiram da violência, de acordo com comandantes iraquianos.

"Abalamos a moral do EI, mas ninguém pode negar que o Estado Islâmico ainda tem células adormecidas, e esperamos qualquer coisa daí", disse o tenente-general Abdul Wahab al-Saidi, comandante das operações iraquianas em Fallujah.

"Um certo número de combatentes do EI foi encontrado entre as pessoas desalojadas em Fallujah, e um deles até se explodiu", disse ele. "Eles são criminosos, e devemos esperar qualquer coisa dos criminosos porque eles fariam qualquer coisa."

Os Estados Unidos e outros países da coalizão que lutam contra o Estado Islâmico estão adotando uma série de medidas que acreditam ser úteis para ajudar os iraquianos a derrotar os remanescentes do grupo nos próximos meses.

Nas últimas semanas, especialistas norte-americanos em explosivos, especialmente treinados, incluindo um general de três estrelas do Exército, e novos dispositivos de detecção de bombas foram enviados a Bagdá para ajudar a conter ataques suicidas e com carros-bomba. Os dinamarqueses, que são parte da coalizão, já iniciaram o treinamento de agentes de patrulha de fronteira.

A primeira turma de 300 agentes iraquianos de patrulha de fronteira concluiu um curso de treinamento de quatro semanas na quarta-feira, segundo Garver. O plano é treinar mais cinco grupos de tamanho similar e usá-los para patrulhar a fronteira com a Jordânia e a Síria.

A coalizão liderada pelos EUA tem colocado o foco, intensamente e durante meses, na campanha militar para retomar Mosul. Mas as dezenas de ministros de Defesa e de Relações Exteriores que se encontraram em Washington nesta semana estavam igualmente preocupadas com as consequências da luta por Mosul e com a segurança, reconstrução e governança da cidade.

Autoridades ocidentais e iraquianas estão preparando planos para atender às necessidades humanitárias das centenas de milhares de civis iraquianos desalojados pela violência, e à importância do restabelecimento do governo local em Mossul e em outras áreas controladas pelo Estado Islâmico nos últimos dois anos.

"O plano de governança local tem que estar pronto para uso", disse Brett McGurk, enviado especial de Obama para combater o Estado Islâmico.

Mesmo que as operações para recuperar Mossul estejam adiantadas no cronograma, quase certamente haverá um novo presidente dos EUA no cargo quando a operação estiver concluída. E, embora não seja claro o grau de compromisso que essa administração terá na luta no Iraque, os comandantes norte-americanos estão planejando uma presença duradoura de forças para auxiliar os iraquianos.

"Depois da derrota do EI no Iraque, os EUA e nossos parceiros terão de manter uma presença lá que possa ajudar os iraquianos a proteger suas fronteiras e buscar as ameaças terroristas dentro delas", disse MacFarland.

Tradução de DENISE MOTA


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