Folha de S. Paulo


Chefe da Unasul diz que Vaticano se unirá a negociações na Venezuela

O secretário-geral da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), Ernesto Samper, disse nesta quinta que a Igreja Católica se juntará ao esforços internacionais em busca de um diálogo entre governo e oposição para apaziguar tensões na Venezuela.

O anúncio ocorreu durante visita a Caracas na qual Samper e outros representantes da Unasul também trataram de um pacote de medidas econômicas sugerido ao presidente Nicolás Maduro para frear a grave crise econômica no país.

Juan Barreto - 21.jul.2016/AFP
Moradores picharam
Moradores picharam "Militares corruptos, o povo tem fome" em muro de Maracay, a 70 km de Caracas

"A aceitação da participação do Vaticano irá nos enriquecer espiritualmente e politicamente", disse Samper, acompanhado dos três ex-dirigentes que atuam na Venezuela em nome da Unasul: o ex-premiê espanhol José Luis Rodríguez Zapatero, o ex-presidente dominicano Leonel Fernández e o ex-presidente panamenho Martín Torrijos.

A medida atende uma das principais condições da aliança de partidos opositores MUD (Mesa da Unidade Democrática) para dialogar com Maduro.

Em 2014, quando protestos antigoverno resultaram em 43 mortos, a Igreja Católica havia tentado mediar um diálogo, mas caiu em desgraça com o chavismo por apoiar a oposição.

A MUD também condiciona o diálogo à libertação de opositores e ao respeito ao funcionamento do Legislativo, dominado pela oposição, mas neutralizado pelo Executivo. Já Maduro exige apoio ao seuprograma de "emergência econômica", que aumenta controles do Estado sobre o setor privado.

A Unasul propõe uma espécie de meio termo entre o modelo socialista e o opositor para reverter a espiral de desabastecimento e inflação que assola os venezuelanos.

Mas o pacote do bloco, apresentado a Maduro em junho e cujos detalhes não são públicos, encontra resistência dentro do governo chavista, segundo a Folha apurou.

Uma das propostas é substituir o complexo modelo de câmbio, que possui duas taxas oficiais às quais se soma uma cotação paralela muito usada, por um sistema unificado e flutuante.

Segundo economistas da Unasul, entre os quais o brasileiro Pedro Barros, emprestado pelo Ipea, e o venezuelano Francisco Rodríguez, ex-guru do tema Venezuela no Bank of America, a cotação dupla gera distorções que favorecem especuladores e pioram o desabastecimento.

A proposta tem apoio da vice-presidência econômica, mas o ministério do Comércio Exterior é contra.

Outro aspecto polêmico é a proposta de trocar subsídios indiretos (embutidos no preço de gasolina, luz e alimentos) por subsídios diretos em dinheiro.

O sistema funcionaria com base num cartão de débito entregue a cada família venezuelana, semelhante ao Bolsa Família brasileiro.

O cartão já foi entregue de forma experimental a 300 mil famílias. O sistema garante a cada uma 14 mil bolívares (US$ 14 na cotação paralela usada por particulares) mensais disponíveis no cartão.

A Unasul busca estendê-lo a mais 2 milhões de famílias, mas isso exigiria a criação de um cadastro nacional integrado de beneficiários, ao qual se opõem setores chavistas envolvidos num recém-criado sistema de distribuição de alimentos.

Batizado de CLAP (Comitês Locais de Abastecimento e Produção), o projeto busca reduzir a participação do comércio na distribuição de alimentos em favor de um modelo de entrega de comida a partir de grupos de vizinhança chavistas.

Na prática, os CLAP garantem poder discricionário a essas organizações chavistas, que distribuem alimentos sem prestar contas e são acusadas de chantagem política.

O governo venezuelano não retornou pedidos de entrevista.

Algumas propostas da Unasul já são implementadas. Sem alarde, o Banco Central da Venezuela enviou dados econômicos atualizados ao FMI (Fundo Monetário Internacional), algo que não acontecia havia 12 anos.

Outro tema é a renegociação das bilionárias dívidas de Caracas junto ao clube de Paris, grupo informal de credores em 21 países. As negociações estão a cargo do ex-presidente Fernández, com bom trânsito nos EUA.

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PRINCIPAIS PROPOSTAS DA UNASUL
— Unificação e flutuação cambiária
— Aumento dos preços da gasolina e da eletricidade
— Substituição progressiva dos subsídios por remessas em dinheiro
— Renegociação?das dívidas
— Reforma tributária
— Maior transparência?na gestão dos dados econômicos


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