Folha de S. Paulo


Turquia cessará Convenção Europeia de Direitos Humanos, diz vice-premiê

O Parlamento turco aprovou formalmente uma moção nesta quinta-feira (21) para estabelecer o estado de emergência por três meses no país, após a tentativa fracassada de golpe militar da última sexta-feira (15).

O presidente turco, Tayyip Erdogan, anunciou o plano para um estado de emergência no final da quarta-feira, alegando que permitiria às autoridades atuarem rapidamente e efetivamente para combater os apoiadores da tentativa fracassada de golpe. Ele acusou um influente clérigo turco que mora nos Estados Unidos de ser o mentor do golpe.

Parlamentares apoiaram a moção por 346 votos a 115. O governista Partido AK, fundado por Erdogan e que está no poder desde 2002, tem uma maioria parlamentar confortável.

Nesta quinta (21), o vice-premiê da Turquia, Numan Kurtulmus, afirmou que o país suspenderá temporariamente a Convenção Europeia de Direitos Humanos, que proíbe tratamento desumano e garante o "direito ao respeito da vida privada".

A medida é um desdobramento do estado de emergência declarado pelo presidente Recep Tayyip Erdogan nesta quarta (20) e segue o exemplo da França, que fez o mesmo após os ataques terroristas em Paris, em novembro do ano passado.

Em entrevista para a NTV, Kurtulmus afirmou que o estado de emergência pode terminar até dentro de um mês e meio. Segundo Erdogan, no entanto, a decisão durará pelo menos três meses e vai permitir a seu governo adotar medidas contra quem julga responsável pela tentativa de golpe, na sexta-feira (15), como o estabelecimento de leis sem aprovação do Legislativo e a suspensão de direitos e liberdades.

Nesta quinta, a Turquia tentou assegurar a sua população e à comunidade internacional que o estabelecimento do estado de emergência não significa uma volta à repressão do passado.

Para parte dos turcos, o anúncio trouxe receios do retorno de uma lei marcial aplicada em 1980 ou do estado de emergência aplicado a uma parte do país nos anos 1990. Tanto a entrevista à NTV quanto as declarações do vice-premiê publicadas no Twitter foram vistas como uma maneira de acalmar o mercado financeiro e dispersar comparações com o passado.

"O estado de emergência na Turquia não vai incluir restrição de movimento, associação, liberdade de imprensa etc. Não é a lei marcial dos anos 1990", escreveu no Twitter. "Estou confiante de que a Turquia sairá disso com uma democracia mais forte, uma economia de mercado funcionando melhor e um clima para investimento desenvolvido", escreveu o vice-premiê, que já trabalhou em Wall Street e é próximo ao setor financeiro. O mercado reagiu negativamente ao anúncio do cerco e teve um novo recorde de baixa.

Daniel Mihailescu/AFP
A young man waves a Turkish flag as people gather for a meeting in support of the Turkish president on Taksim Square in Istanbul on July 19, 2016. Turkey widened its massive post-coup purge to schools and the media on July 19, vowing to root out supporters of an exiled Islamic cleric it accuses of orchestrating the attempted power grab. / AFP PHOTO / DANIEL MIHAILESCU ORG XMIT: DAN2093
Manifestantes pró-Erdogan se reúnem na praça Taksim, em Istambul, nesta terça-feira (19)

O estado de emergência entrou em vigor após ter sido publicado no jornal oficial do governo nesta quinta. A medida ainda precisa ser chancelada pelo Parlamento, o que deve ocorrer ainda hoje, já que o partido do governo tem maioria no Legislativo.

As garantias oferecidas não foram compradas de pronto pelo principal partido da oposição. "Com esta medida, você cria uma forma de governar que abre caminho para o abuso", afirmou à Reuters o parlamentar Sezgin Tanrikulu, do Partido Republicano do Povo (CHP). "A tentativa de golpe foi rejeitada pelo Parlamento e pela oposição, o governo poderia ter lutado contra ela com medidas mais comedidas."

Já o partido nacionalista da oposição, o MHP, apoiou o anúncio de Erdogan. "O Partido do Movimento Nacionalista estará ao lado do Estado e do povo nesta hora sombria e difícil, custe o que custar", afirmou o líder Devlet Bahceli por meio de comunicado.

EXPURGO

A Turquia procurou assegurar a seus cidadãos e ao restante do mundo nesta quinta-feira de que não haverá um retorno à repressão intensa do passado, apesar de o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, ter imposto o primeiro estado de emergência de âmbito nacional desde a década de 1980.

No momento em que as autoridades perseguem dezenas de milhares de pessoas no judiciário, na educação, nas Forças Armadas e no funcionalismo público na esteira do golpe militar fracassado de sexta-feira, um parlamentar do principal partido de oposição disse que o estado de emergência criou "uma maneira de governar que abre caminho para os abusos".

A Alemanha pediu que a medida seja revogada o mais rápido possível, e um grupo internacional de advogados alertou a Turquia para que não a utilize para subverter a lei e os direitos humanos, ressaltando as alegações de tortura e de maus tratos de pessoas detidas na operação repressiva de larga escala.

Para alguns turcos, a ação despertou o temor de uma volta aos dias de lei marcial que se seguiram ao golpe militar de 1980, ou ao auge da insurgência curda nos anos 1990, quando a maior parte do sudeste de maioria curda da nação foi submetida a um estado de emergência declarado pelo governo anterior.

Cerca de 60 mil soldados, policiais, juízes, servidores públicos e professores foram suspensos, detidos ou postos sob investigação desde que o golpe foi frustrado.


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