Folha de S. Paulo


Pragmatismo supera ideologia na trajetória de nova premiê britânica

Frantzesco Kangaris/AFP
British Interior Minister Theresa May addresses a press conference in central London on June 30, 2016. British interior minister Theresa May announced her bid to succeed Prime Minister David Cameron on Thursday, saying negotiations to leave the European Union should not begin before the end of the year. / AFP PHOTO / FRANTZESCO KANGARIS
A então ministra britânica do Interior e agora premiê, Theresa, durante entrevista coletiva em Londres

Um dos colegas de gabinete de Theresa May afirmou uma vez, sobre a ministra do Interior: "Eu a admiro, mas um dia ela vai ter de nos mostrar quem é".Às portas do número 10 da rua Downing, residência e escritório oficial do primeiro-ministro britânico, o país ainda está esperando por sua grande "revelação".

Pode ser que isso nunca ocorra. Seus amigos dizem que, com a enigmática May, tudo o que você precisa saber está à vista: uma ministra que trabalha muito, com uma estrutura de aço e um conjunto de pontos de vista políticos que confundem as fronteiras tradicionais.

"Eu só continuo a fazer o trabalho que tenho à minha frente", ela disse no lançamento da sua campanha.

Quando ela chegou ao coquetel de verão da revista "The Spectator" nesta semana, os jornalistas a rodearam na vã esperança de que alguma pequena indiscrição ou fofoca pudesse passar pelos seus lábios. Mas é mais provável que o melhor guia para a personalidade de May seja encontrado ao observar suas ações, não suas palavras.

"Você pode me julgar pela minha trajetória", declarou May na semana passada. E, em muitos aspectos, sua trajetória como ministra do Interior é impressionante, nada menos que pelo fato de que conseguiu se manter em um dos trabalhos mais difíceis de Whitehall, o centro administrativo de Londres, por mais de seis anos.

O prisma mais comum para ver May é sua abordagem da imigração, na qual ela se aproxima do estereótipo de um ministro de Interior conservador tradicional, especialmente alguém que vem do centro da classe média conservadora inglesa.

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"Sou filha de um vigário local e neta de um sargento-mor de regimento", disse ela. "O serviço público é parte do que sou desde que me entendo por gente."

May não inventou a política conservadora de redução da imigração líquida para "dezenas de milhares" –concebida enquanto o partido estava na oposição–, mas tentou cumpri-la com tenacidade, devido às críticas persistente dos ministros de gabinete economicamente liberais, tais como o chanceler George Osborne.

Sua tentativa de cumprir a meta, despropositada –ela não tinha controle sobre os fluxos de imigração provenientes da UE–, enfureceu líderes empresariais e colegas ministros, que argumentavam que a burocracia em relação aos vistos estava cortando um fluxo vital de talento e turistas para o Reino Unido.

Sua postura sobre a imigração é um apelo para a direita conservadora e é em parte motivada –de acordo com aliados– por sua crença de que a imigração descontrolada alimentou a ascensão de partidos de direita populistas. "Ela é bem dura sobre isso, basicamente", disse Damian Green, ex-ministro do Interior.

O fracasso do governo em alcançar seu próprio objetivo –a imigração líquida situou-se em 330.000 pessoas, segundo cifras mais recentes– mostrou-se catastrófico no recente plebiscito da União Europeia, como May havia previsto.

Resultado Brexit

"Às vezes, acho que só Theresa e eu realmente acreditamos na nossa política de imigração", queixou-se Cameron uma vez no gabinete. Os ministros de gabinete liberais democratas que se confrontaram com ela sobre a imigração na coalizão dizem que ela é "realmente e ridiculamente" dura sobre a questão.

Mas, em outras áreas, May foge bastante do estereótipo. Na verdade, seu alerta aos ativistas conservadores, em 2002, de que algumas pessoas chamavam os conservadores de "o partido desagradável", deu uma dica sobre seu lado reformador liberal.

Ela descartou os planos do Partido Trabalhista de cartões de identificação e reformou os controles policiais e os poderes de busca. Fez campanha em prol de mais mulheres no Parlamento e se recusou a extraditar o hacker Gary McKinnon, "gravemente doente", aos EUA.

Enquanto ministros do Interior conservadores normalmente são condescendentes com a polícia, May lançou um ataque frontal ao serviço, ao condenar a corrupção endêmica, a incompetência e os acobertamentos que descobriu com regularidade.

Sua posição sobre a Europa está em conformidade com a ideia de uma ministra do Interior mais preocupada com resultados práticos do que com cruzadas ideológicas. Ela enfureceu conservadores eurocéticos ao insistir que o Reino Unido permanecesse dentro da maioria das estruturas da União Europeia em relação a Justiça e policiamento, incluindo o mandado de prisão europeu.

Ela defendeu a ideia de que o Reino Unido se retirasse da Convenção Europeia sobre Direitos Humanos –uma estrutura que frustrou sua tentativa de deportar extremistas–, mas depois abandonou a ideia quando tentou atrair conservadores liberais, como David Davis, para sua campanha como líder.

May apoiou a permanência no plebiscito da EU, mas com pouco entusiasmo explícito, uma postura que depois a ajudou a atrair um número de eurocéticos que apoiassem sua candidatura a ocupar o número 10.

Mas sua complexa reputação de modernizadora liberal, linha-dura em imigração e moderada europeia não é parte essencial da sua personalidade política. Como Angela Merkel, chanceler alemã, ideologia não é o negócio de May.

"Ela é uma pessoa que realmente acredita que sua função na vida é fazer com que as coisas sejam melhores, mais puras, mais organizadas e apenas um pouco mais eficazes do que eram antes", disse um ex-colega.

Colaborou ELEANOR PARKER


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