Folha de S. Paulo


Mulheres da facção Estado Islâmico exercem papel-chave na web

O Estado Islâmico (EI) é uma facção terrorista com uma visão extremista dos preceitos da religião muçulmana, especialmente no tratamento subserviente reservado às mulheres.

Por isso, foi uma surpresa quando pesquisadores descobriram que, nas redes sociais, elas têm papel fundamental, tão ou mais importante do que o dos homens, no recrutamento e na máquina de propaganda do EI.

Além de entre 40% a 50% dos envolvidos nas redes serem mulheres, elas em média tinham o dobro da capacidade de "intermediação" do que os homens, se conectando com bem mais pessoas e transmitindo mais informação.

José Jordan - 5 set. 2015/AFP
Marroquina de 18 anos é presa na Espanha, acusada de recrutar outras mulheres para o Estado Islâmico
Marroquina de 18 anos é presa na Espanha, acusada de recrutar outras mulheres para o Estado Islâmico

Dois estudos recentes em revistas científicas, um publicado na "Science Advances" e outro na "Science", revelaram em detalhes o crescimento e a evolução das redes on-line que fornecem convertidos e apoio à facção.

Os dois estudos foram feitos pela mesma equipe e chefiados por Stefan Wuchty e Neil Johnson, da Universidade de Miami em Coral Gables, Flórida (EUA).

MOTIVAÇÃO DA PESQUISA

Por que mulheres? Teriam elas atitudes e modos de escrever que as tornariam melhores em realizar intermediações e conversões?

A pergunta foi feita diretamente a Johnson, físico que estuda modelos de organizações e conflitos humanos: "Parecia para nós que a discussão –pelo menos nos EUA– é sempre sobre os 'caras maus'. Embora seja verdade que mais homens estão envolvidos em terrorismo do que mulheres, nos ocorreu que isso não significa que as mulheres necessariamente desempenhem um papel menor".

"Em outras palavras, o que nos motivou é isto: não é nenhuma surpresa que há mais homens envolvidos em ataques terroristas do que mulheres, mas o que constitui a 'cola' operacional que une facções terroristas bem-sucedidas?", afirma Johnson.

Ele lembra que a pesquisa não foi feita com meros simpatizantes "casualmente discutindo o EI", mas com membros "linha-dura" da organização.

Uma pesquisadora, Yulia Vorobyeva, aluna de doutorado em ciência política na Universidade de Miami, passou seis meses vasculhando a rede de simpatizantes de terroristas. "Foi muito horrível", disse ela à "Science". "Sangue, corpos decapitados e desmembrados. De tudo".

"A interconectividade é mais do que apenas atitude de escrever ou pensar. As redes que nós analisamos são redes operacionais para organizações terroristas –o Estado Islâmico on-line, o Exército Republicano Irlandês Provisório (Pira) off-line", afirma Johnson.

Curiosamente, uma inspiração para o estudo foram os protestos no Brasil em 2013.

"Estávamos estudando o papel das mídias sociais em protestos –e durante o período em que estávamos à procura, aconteceram os protestos em junho de 2013 no Brasil. Vimos que a coordenação não veio por meio de algo simples como Twitter, mas pela formação de grupos, organizações e comunidades no Facebook. Estes deram um 'espaço virtual' onde os indivíduos com as mesmas ideias poderiam planejar e coordenar", diz o pesquisador de Miami.

Ou seja, eles concluíram que isso poderia ser um princípio geral, e então foram atrás da esquiva facção terrorista do Oriente Médio.

'FORMAÇÃO DE CRISTAIS'

O segundo estudo, na "Science", acompanhou o crescimento de grupos pró-EI em um período de seis meses, capturando o processo com um modelo matemático. "Era como assistir à formação de cristais. Fomos capazes de ver como as pessoas foram materializando em torno de certos grupos sociais; eles estavam discutindo e compartilhando informações –tudo em tempo real", disse Johnson.

Foram descobertos pelos pesquisadores 196 grupos de agregados simpatizantes pró-EI, envolvendo 108.086 indivíduos seguidores entre 1º de janeiro e 31 de agosto de 2015.

Os autores concluem que as mulheres podem, em média, desempenhar um papel mais central na passagem de itens, como mensagens de recrutamento, arquivos, orações, e de vídeo e áudio de propaganda; além de intermediar o relacionamento de partes distantes da rede – "por exemplo, alinhando narrativas e canalizando fundos".

Simpatizantes do grupo são rapidamente banidos de redes sociais como Facebook e Twitter. Por isso, o canal preferido do EI é a rede russa VKontakte, a principal da Europa, com mais de 350 milhões de membros e que é muito mais relaxada na hora de retirar conteúdo potencialmente criminoso.


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