Folha de S. Paulo


Presidente argentino corta gastos e convida militares para festa nacional

Com um orçamento que corresponde a pouco mais de 10% do disposto em 2010 para a comemoração dos 200 anos da Revolução de Maio, o presidente Mauricio Macri celebra neste sábado (9) os 200 anos da independência da Argentina. As duas datas pátrias são consideradas as mais importantes da história do país.

Há seis anos, quando Cristina Kirchner era a mandatária, sua festa do bicentenário demandou US$ 41,5 milhões (R$ 136,45 milhões na cotação atual). Agora, Macri fará seus festejos com US$ 4,7 milhões (R$ 15,4 milhões).

"O kirchnerismo costumava montar grandes festas que eram muito caras ao Estado. Nossa comemoração tem a ver com a política austera do presidente e com a intenção de destinar recursos a obras públicas e sociais", defendeu à Folha o ministro de Cultura da Argentina, Pablo Avelluto.

Daniel Dabove/Xinhua/TELAM
Presidente Mauricio Macri participa de comemoração que marca Dia do Exército, em maio de 2016
Presidente Mauricio Macri participa de comemoração que marca Dia do Exército, em maio de 2016

Assim como ocorre agora, as comemorações dos centenários, em 1910 e 1916, também tiveram orçamentos diferentes. A primeira foi grandiosa e marcou o período de glória do país, que à época tinha um dos maiores PIBs do mundo. A segunda, em meio a Primeira Guerra Mundial e a uma desaceleração econômica, foi bastante humilde e nem consta nos livros escolares.

O governo Macri não se preocupa em ser comparada com essa versão de crise dos festejos? "O ano de 1916 foi de mudanças históricas. Foi a primeira vez que houve voto secreto. Se tiver que traçar um paralelo, seria com isso. Agora também é um momento de mudança", diz Avelluto.

PALANQUE RENOVADO

Além do abismo entre o custo das festas de Macri e de Cristina, os perfis dos eventos serão distintos. No palanque, deverá ser notada uma das maiores mudanças.

Cristina posou para as fotos ao lado de líderes latino-americanos com quem, em sua maior parte, tinha afinidade política.

Entre eles, os ex-presidentes Lula, Fernando Lugo (Paraguai), Hugo Chávez (Venezuela), José Mujica (Uruguai) e os atuais chefes de Estado Evo Morales (Bolívia) e Rafael Correa (Equador).

De políticos mais conservadores, apenas o ex-presidente do Chile Sebastián Piñera compareceu. Neste sábado (9), Macri deverá receber o rei emérito da Espanha, Juan Carlos, o que gerou mal-estar em parte da população.

"Macri convidar o rei da Espanha para o dia da independência é como eu chamar minha ex no aniversário da minha namorada", escreveram no Twitter. Nenhum chefe de Estado irá à comemoração.

Pedro Armestre/AFP
O ex-rei Juan Carlos, da Espanha, em foto de 2011. Ele é alvo de investigação sobre paternidade.
O rei emérito Juan Carlos, da Espanha, em fotografia de 2011

No desfile que marcará a data, mais uma novidade: depois de 16 anos de ausência devido aos traumas da ditadura, as bandas militares voltarão. Serão 18 no total, de países como Argentina, Brasil, EUA, França e Itália, entre outros.

Ao todo, cerca de 5.000 militares desfilarão em Buenos Aires no domingo (10).

De acordo com Avelluto, a relação entre a sociedade e os militares amadureceu."Não interpretamos em termos políticos. Os militares de hoje não participaram da ditadura."

Fernando Rocchi, professor de história da Universidade Torcuato Di Tella, lembra que o governo de Cristina Kirchner (2007-2015) não tinha interesse em uma associação de imagem com os militares –a ex-presidente impulsionou julgamentos contra os responsáveis pela ditadura e forneceu apoio político e financeiro a entidades de familiares de desaparecidos.

Entre as atrações do fim de semana há artistas conhecidos nacionalmente, como Raúl Lavié e David Lebon.

Em 2010, quem encerrou a festa foi o cantor kirchnerista Fito Páez.

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SAIBA MAIS

Em seis anos, a Argentina comemorará duas vezes o bicentenário do país, uma em maio de 2010 e outra agora, em julho de 2016.

A primeira celebração foi referente à Revolução de Maio de 1810, quando o vice-rei Baltasar Hidalgo de Cisneros, que governava em nome da Espanha, foi deposto e substituído por uma junta.

À época, a população foi às ruas de Buenos Aires pela independência do país, mas não houve ruptura com a coroa espanhola –a junta era formada por pessoas nascidas na então colônia, mas ainda governava em nome do rei Fernando 7º.

Apenas em 9 de julho de 1816 foi proclamada a independência do país. Sua oficialização ocorreu na cidade de São Miguel de Tucumán (1.200 quilômetros ao norte de Buenos Aires) na presença de deputados de diferentes regiões do que viria a ser a Argentina.

Fernando Rocchi, professor de história de Universidade Torcuato Di Tella, explica que as duas datas são igualmente importantes. "Em 1810, começa um processo que terminaria seis anos depois."

A Revolução de Maio, porém, é menos nacional que a proclamação da independência, já que a luta ocorreu apenas na região de Buenos Aires.


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