Folha de S. Paulo


Medo da imigração sustenta Trump bem longe da fronteira com o México

Berlin, uma pequena comunidade no sul do Estado norte-americano de Maryland, fica a mais de 3.200 quilômetros da fronteira com o México.

Mas quando Donald Trump realizou um comício para seus partidários na localidade, em abril, a multidão que lotou o auditório da escola de segundo grau local começou a gritar espontaneamente o lema "construa o muro, construa o muro".

Joshua Roberts/Reuters
O virtual candidato republicano Donald Trump faz comício nesta terça em Raleigh, na Carolina do Norte
O virtual candidato republicano Donald Trump faz comício nesta terça em Raleigh, na Carolina do Norte

A referência era à barreira que o virtual candidato republicano à presidência promete erigir na fronteira entre Estados Unidos e México (com os custos pagos pelo México).

Trump conquistou 73% dos votos do condado em que se localiza Berlin na primária estadual republicana daquele mês, seu melhor desempenho no Estado, e as pesquisas de boca de urna apontaram que os sentimentos de aversão aos imigrantes foram um forte motivo.

"Não acredito que eles deveriam permitir a entrada de 165 mil muçulmanos cujos antecedentes não têm como verificar", disse o empreiteiro Ray Milford, 56. "Quando o governo parece favorecer todo mundo exceto as pessoas nascidas aqui, é muito triste".

A indignação popular sobre a imigração descontrolada alimentou o voto pela saída britânica da União Europeia (Brexit) no recente plebiscito do Reino Unido. Em Berlin, uma comunidade rural, os partidários de Trump esperam por uma convulsão política semelhante em novembro.

Mark McIver, 62, que ajudou a organizar o comício de abril, simpatiza com as pessoas que votaram pela Brexit. "Consigo ver o paralelo", ele disse. "Sinto a dor de ser governado por uma burocracia distanciada, uma burocracia que tem uma agenda diferente".

A analogia tem limites. A entrada de imigrantes no Reino Unido vem crescendo, em termos líquidos, nos últimos anos, enquanto o número de imigrantes não documentados aos Estados Unidos caiu desde o pico atingido em 2007.

No condado de Worcester, imigrantes trabalham em avícolas, fábricas de processamento de peixes e frutos do mar e em polos de turismo na costa atlântica do condado. "O problema são os imigrantes ilegais. Precisamos saber quem entra e quem sai", disse McIver, dono de um armazém em Salisbury, uma cidade vizinha.

O condado de Worcester é um cantinho republicano em um Estado sobre o qual os democratas exercem controle político. Nenhum candidato presidencial republicano levou os dez votos de Maryland no colégio eleitoral desde 1988. É improvável que isso mude em novembro, por mais que Trump se esforce.

Com suas cidades ordeiras, fazendas ensolaradas e espigas de milho amadurecendo ao sol do verão, não se trata de um lugar que demonstre qualquer sinal evidente de ter sido avassalado por forasteiros e suas culturas. Menos de 5% da população do condado nasceu fora dos Estados Unidos, ante uma média nacional de mais de 13%.

As inclinações políticas da área não são difíceis de discernir. Uma bandeira confederada pende do lado de fora de uma casa perto de Snow Hill, a principal cidade do condado. A bandeira Gadsden, um símbolo do Tea Party com o lema "não me pisoteie", também pode ser vista na estrada que leva a Berlin.

Uma robusta tradição de autodeterminação colore as opiniões políticas. Para muitas pessoas, as objeções aos imigrantes refletem uma repulsa mais profunda por um governo federal que elas veem como intrusivo demais na vida cotidiana e ao mesmo impotente para evitar ameaças estrangeiras, quer se trate de imigrantes não autorizados, quer de terroristas islâmicos ou burocratas internacionais.

A imigração descontrolada traz consigo o espectro de ataques terroristas, doenças vindas de fora do país e concorrência para os trabalhadores norte-americanos, diz Grant Helvey, engenheiro de telecomunicações aposentado.

Ele preside o Partido Republicano no condado, e se preocupa com a possibilidade que os limites locais à incorporação imobiliária sejam parte de um complô da ONU para torpedear os direitos individuais de propriedade.

"Há globalização demais acontecendo", disse Helvey, filho de um mineiro de carvão no Estado da Virgínia Ocidental. "Algumas das coisas que vêm das Nações Unidas e se tornam normas em minha área me incomodam".

No plebiscito do Reino Unido, um terço das pessoas que votaram pela saída mencionaram o desejo de reter o controle sobre as fronteiras do país, o que fez dos imigrantes o segundo motivo mais citado para votar pela Brexit, atrás do medo quanto à soberania.

Nos Estados Unidos, a imigração ficou em sexto lugar na lista de prioridades dos eleitores em uma pesquisa da Fox News em 29 de junho, atrás da economia, saúde, direito ao porte de armas e ataques terroristas nos Estados Unidos. A divisão entre os partidos era aguda, com 83% dos republicanos se declarando extremamente ou muito preocupados com a imigração, ante 44% dos democratas.

No plano local, as preocupações com a imigração indicam também preocupações econômicas. O índice de desemprego do condado, 7%, é o maior entre os 25 condados de Maryland, e fica bem acima da média estadual de 4,5%.

"Quando as coisas vão mal economicamente, é muito comum tomar os imigrantes como bodes expiatórios, mesmo que eles nada tenham a ver com isso", disse Tim Dunn, sociólogo da Universidade de Salisbury. "Eles são a face mundial da globalização".

Na Harvest Moon Tavern, em Snow Hill, onde as luminárias que pendem sobre o bar têm coberturas com as cores da bandeira dos Estados Unidos, o bartender se declara fã de Trump mas acrescenta que não fala muito sobre isso para não alienar os frequentadores que discordam de sua opinião.

Enquanto o televisor por trás dele mostra imagens do ataque terrorista a Istambul, um frequentador se queixa da campanha do presidente Obama pelo controle de armas.

Perguntado se Trump pode ser o próximo ocupante do Gabinete Oval, Milford responde: "Vejo o nosso país descendo pelo ralo, se as coisas não mudarem. Acho que ele tem uma boa chance".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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