Folha de S. Paulo


Sobrevivente do Holocausto e Nobel da Paz, Elie Wiesel morre aos 87 anos

Elie Wiesel, o sobrevivente do campo de Auschwitz que foi uma testemunha eloquente para os 6 milhões de judeus massacrados na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), morreu neste sábado (2) em sua casa, em Nova York, aos 87 anos. A causa da morte não foi divulgada.

Autor de 29 livros, palestrante e professor, o jornalista nascido na Romênia recebeu em 1986 o Nobel da Paz por sua contribuição à memória do Holocausto.

Nos anos seguintes ao massacre, nenhuma voz apareceu para contar a enormidade do que aconteceu e como isto mudou os seus conceitos de humanidade e de Deus.

Por quase duas décadas, sobreviventes traumatizados e os demais judeus no mundo, sentindo-se culpados por não terem feito mais para salvar seus pares, pareciam congelados em seu silêncio.

No entanto, pela força de sua personalidade e seu talento na escrita, Wiesel gradualmente exumou o Holocausto do solo dos livros de história após ter passado por Auschwitz e ser libertado do campo de Buchenwald aos 16 anos, com a tatuagem A-7713 no braço.

Wiesel começou a chamar atenção em 1955, ao lançar "A Noite". No livro, conta os horrores que viveu nos campos de concentração pelos quais passou desde 1940, quando sua família foi tirada de sua cidade natal, Sighetu -então anexada pela Hungria, que era aliada dos nazistas.

No cárcere, morreram seu pai, Shlomo, sua mãe, Sarah, e uma das irmãs, Tzipora. Já desnutrido, Shlomo morreu em Buchenwald por não resistir a ferimentos da tortura.

Wiesel escreveu sobre como tinha sido atormentado pela culpa de sobreviver, enquanto milhões morreram, e pelas dúvidas sobre um Deus que permitiu tal massacre.

"Nunca vou poder esquecer os pequenos rostos das crianças, cujos corpos eu vi se tornarem nuvens de fumaça no silencioso céu azul. Nunca vou poder esquecer as chamas que consumiram para sempre a minha fé. Nunca vou poder esquecer o silêncio noturno que me privou, por toda a eternidade, do desejo de viver."

Foi o chamado contra o esquecimento que o levou ao Nobel. "Sua mensagem é de paz, reparação e dignidade humana. Sua crença de que as forças contra o mal podem vencer foi duramente conquistada", disse a organização do prêmio em 1986.

Enquanto muitos de seus livros eram sobre assuntos como os judeus soviéticos ou chassídicos [seguidores de vertente ortodoxa da religião], como seu avô, todos tinham questões sobre como aconteceu o Holocausto.

"Se sobrevivi, foi por algum motivo. Isso é muito sério para brincar porque alguém poderia ter se salvado no meu lugar. Por isso, falo por eles. Por outro lado, sei que não posso", disse ao "New York Times" em 1981.

Wiesel viajou a Israel pela primeira vez em 1949, como correspondente do jornal francês "L'Arche". Como jornalista, cobriu, dentre outros temas, o julgamento do criminoso de guerra nazista Adolf Eichmann, em 1961.

Ele mudou-se para os EUA em 1955 e se tornou cidadão americano oito anos depois -foi o primeiro caso de residência concedida no país para um sobrevivente do Holocausto que ficou apátrida.

Na década de 1970, iniciou sua carreira de acadêmico, dando aulas e fazendo pesquisas de estudos judaicos, filosofia e religião na Universidade de Nova York, na Universidade de Boston, em Yale e em Columbia.

Após ganhar o Nobel, ele e sua mulher, Marion Rose, abriram a Fundação Elie Wiesel para a Humanidade. A organização foi uma das prejudicadas em 2008 pelo esquema fraudulento do investidor americano Bernard Madoff, fazendo com que perdesse US$ 15,2 milhões e o escritor tivesse um prejuízo de US$ 1 milhão.

Em 2003, ele foi convidado para liderar a Comissão Internacional para o Estudo do Holocausto na Romênia. No seu relatório final, o governo do país natal de Wiesel reconheceu o extermínio de 300 mil judeus e 11 mil ciganos na Segunda Guerra.

Wiesel sempre teve posição fortemente pró-Israel. Um dos seus últimos pronunciamentos, em 2013, foi uma crítica ao presidente dos EUA, Barack Obama, devido ao acordo nuclear com o Irã.

BRASIL

Por seu trabalho, Wiesel foi homenageado com várias condecorações pelo mundo, e uma delas foi a brasileira Grã-Cruz da Ordem do Rio Branco. Ele recebeu a honraria do então presidente, Fernando Henrique Cardoso, na última vez em que esteve no país, em 2001.

Ele havia conhecido o Brasil em 1954, quando fez uma reportagem sobre missionários cristãos em comunidades judaicas. Foi na volta de navio à França, onde morava na época, que ele começou a escrever "A Noite".

O país lhe trazia, porém, uma lembrança ruim -aqui morreu um dos símbolos do Holocausto, o médico nazista Josef Mengele (1911-1979). Em 1985, logo após a exumação do corpo de Mengele, Wiesel disse "sentir vergonha dos Aliados [da 2ª Guerra] e da URSS, que perderam tempo disputando cientistas alemães depois da guerra enquanto a caçada por criminosos nazistas se enfraquecia".


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