Folha de S. Paulo


Pentágono retira proibição para transgêneros nas Forças Armadas

Alvo de políticas discriminatórias por décadas, transgêneros serão bem-vindos nas Forças Armadas dos EUA.

"Este é o tipo de pessoa que queremos", disse na quinta (30) o secretário de Defesa Ash Carter ao anunciar que o Pentágono não banirá mais militares que se identificam com um gênero distinto do da certidão de nascimento.

Um dos casos emblemáticos é o de Chelsea Manning, ex-analista de inteligência do Exército que só assumiu sua identidade feminina após ser sentenciada a 35 anos de prisão por vazar dados confidenciais ao site WikiLeaks (antes, atendia por Bradley).

Saul Loeb/AFP
US Secretary of Defense Ashton Carter speaks about Russian airstrikes in Syria during a press briefing at the Pentagon in Washington, DC, September 30, 2015. Russia's air strikes in Syria on Wednesday
O secretário de Defesa dos EUA, Ashton Carter, durante entrevista em setembro de 2015

Carter citou três motivos para a nova diretriz, em estudo desde 2015:

1) É preciso dispor de "todos os talentos possíveis", demolindo "barreiras sem relação com qualificação".

Não é só ideologia: o país tem hoje seu menor contingente em 75 anos. Não por acaso, em 2015, o governo abriu todos os cargos de combate a mulheres.

2) Transgêneros já usam o uniforme. A diferença é que, até esta quinta, imperava a política do "don't ask, don't tell" (não pergunte, não conte), em vigor desde 1993. Na prática, ela permitia que a comunidade LGBT prestasse serviço militar, desde que silenciasse sobre sua orientação sexual e de gênero.

Em 2010, Obama derrubou o veto a gays assumidos (nomeou, no ano passado, um deles para gerir o Exército). Para os transgêneros, a aceitação veio seis anos depois.

Pai de gêmeas

O ex-major Evan Young, que pariu gêmeas, começou a transição de sexo em 2011 e desde então se apresenta como pai das meninas. Presidente da Associação de Veteranos Transgêneros, contou à Folha que não se sentia "parte da família militar". A maior vitória, disse, é servir "sem medo de ser expulso".

A Rand Corporation, que faz pesquisa para o Departamento da Defesa, estima que 2.450 do 1,3 milhão de membros ativos das Forças Armadas sejam transgênero, e que, ao ano, cerca de 65 militares busquem alterar o gênero.

Com a decisão, o Pentágono cobrirá despesas clínicas como terapia hormonal e operação, a custo estimado de US$ 4,2 milhões por ano, ou 0,7% dos gastos médicos com as tropas. Transgêneros desamparados seriam um fardo financeiro maior, com tendência a suicídio ou abuso de drogas, diz o relatório.

3) A questão é de princípio, diz Carter. "Todos os americanos são livres e iguais, e nós, Forças Armadas, juramos proteger esse ideal."

Entre ativistas, o medo é que os comandos inferiores não cessem as práticas discriminatórias. Oficiais de todas as patentes resistem à recepção de transgêneros, que veem como "experimento social" com potencial de prejudicar o desempenho militar.

"É isso que vem de um presidente [Barack Obama] que usa nossos militares para travar uma guerra cultural em vez de guerras reais com inimigos da nação", diz Tony Perkins, presidente do Conselho de Pesquisa da Família.

Philip Zimmerman, dispensado da Marinha em 1986 por ser gay e hoje presidente do grupo Out Military ("militares fora do armário"), disse à Folha ter "esperança que a alta cúpula assegure que [transgêneros] sejam respeitados e honrados".

Carter ressaltou que 18 países já aceitam transgêneros (o Exército brasileiro informa que "não discrimina ninguém", embora não tenha políticas claras sobre a classe).

"Eles não querem tratamento especial", disse. "Querem ser tratados como todos."


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