Folha de S. Paulo


Europeus se dividem sobre pressão para acelerar saída britânica

No primeiro encontro de líderes europeus desde o plebiscito que indicou a saída britânica da UE, França e Alemanha mostraram que há uma divisão no bloco sobre a agilidade com que o processo de retirada do Reino Unido deve ser tocado.

Enquanto o presidente francês, François Hollande, adotou um tom mais duro, dizendo que a União Europeia "não tem tempo a perder", a chanceler alemã, Angela Merkel, destacou que é preciso continuar vendo o Reino Unido "como amigo e parceiro" e repetiu que não haverá conversas formais ou informais sobre a saída até que os britânicos formalizem seu pedido.

"O processo para que o Reino Unido deixe a União Europeia deve começar o quanto antes", disse Hollande ao chegar a Bruxelas para a cúpula do Conselho Europeu nesta terça (28). "Não consigo conceber que qualquer governo britânico não vá respeitar a escolha de seu povo."

O francês disse reconhecer que este é um momento histórico, mas também que "a história continua" e "a Europa não para" porque o Reino Unido decidiu sair. A pressa se deve ao fato de que o bloco também terá que se ajustar à nova conformação.

"A Europa está pronta para iniciar o processo de divórcio, mesmo hoje, sem nenhum entusiasmo, como você pode imaginar," disse o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, dirigindo-se ao premiê britânico, David Cameron, que também foi à cúpula. Tusk anunciou nesta terça que deve convocar, para setembro, um encontro especial dos líderes na Eslováquia para tratar apenas do tema.

A analogia do divórcio também foi usada pelo premiê de Luxemburgo, Xavier Bettel, que disse que a União Europeia "não está no Facebook, onde as coisas são complicadas". "Ou estamos casados ou separados, não há um meio-termo", afirmou.

Momentos antes, ao falar no Parlamento europeu, também em Bruxelas, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, havia seguido a mesma linha de cobrança: "Não podemos ficar enrolados nessa incerteza duradoura".

Antes da reunião do conselho, Cameron sugeriu mais uma vez que o processo de retirada deve demorar. "O Reino Unido vai deixar a União Europeia, mas eu quero que o processo seja o mais construtivo possível, e espero que o resultado também o seja", disse.

"Mesmo que estejamos deixando a União Europeia, não devemos virar as costas para a Europa", afirmou o premiê. "Esses países são nossos vizinhos, amigos, aliados, parceiros e eu realmente espero que busquemos a relação mais próxima possível em termos de comércio, cooperação e segurança, porque isso é bom para nós e bom para eles."

Cameron tem dito que as negociações para a saída só devem começar em outubro, quando ele renunciará formalmente e o Reino Unido terá um novo governo.

Do outro lado, o primeiro-ministro da Dinamarca, Lars Loekke Rasmussen, disse que faz sentido "admitir que o Reino Unido precisa de tempo" para negociar sua saída do bloco.

"O que vimos no Reino Unido pode acontecer em qualquer lugar. Temos que levar isso a sério", disse Rasmussen.

SAÍDA SELETIVA

Apesar de reforçar que as negociações "formais e informais" só deverão começar após o Reino Unido acionar o Artigo 50 do Tratado de Lisboa, que versa sobre a saída de países-membros, Merkel também usou um discurso mais rígido nesta terça em relação às possibilidades de parceria sugeridas pelos britânicos.

Segundo Merkel, os britânicos não poderão "selecionar" o que querem da União Europeia, permanecendo no mercado único europeu mas restringindo o movimento de pessoas, por exemplo.

"O acesso livre ao mercado único para qualquer país prevê a circulação livre de pessoas, bens, serviços e capitais", disse Merkel, ainda em Berlim, no Parlamento alemão, antes de embarcar para Bruxelas.

"Vamos assegurar que as negociações [para a saída britânica] não sejam feitas de forma seletiva (...) Quem quiser deixar esta família não pode esperar que vai deixar suas responsabilidades mas ficar com seus privilégios", disse Merkel.

Na última segunda-feira (27), Cameron havia sugerido que o país poderia continuar fazendo parte do mercado único.

A chanceler alemã deu o exemplo da Noruega, que não é um membro da UE, mas tem acesso ao mercado único "porque, em troca, aceita migração da União Europeia entre outras coisas".


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