Folha de S. Paulo


Plebiscito sobre saída britânica da UE já tem vencedor: o setor de apostas

Quando pedem sua opinião, David Howe não hesita em responder que espera que o Reino Unido deixe a União Europeia.

"Precisamos assumir o controle de nossas fronteiras", afirma.

Mas esses sentimentos, no momento, são tão valiosos para ele quanto sua opinião sobre o mais recente chapéu da rainha: importa mais descobrir o que o restante do eleitorado britânico pensa para que possa ganhar algum dinheiro.

Howe está visitando uma agência de apostas da rede William Hill, perto de Westminster, a sede do Parlamento britânico. É meio-dia da quarta-feira (22), menos de 24 horas antes de os eleitores britânicos irem às urnas para determinar como ficará a geografia política da Europa.

Há máquinas de videorroleta com luzes reluzentes e televisores no alto das paredes mostram corridas de galgos em diversas pistas.

Uma única tela atrai o interesse de Howe: a que mostra o quanto estão pagando as apostas no chamado Brexit, a saída britânica da União Europeia.

Nos últimos dias, elas se inclinaram pesadamente em favor de uma permanência britânica. Uma aposta de nove libras (cerca de US$ 13,24) na permanência oferece lucro de menos de duas libras. No fim da tarde, esse valor cai ainda mais, o que aponta para a probabilidade de quase 80% de que os eleitores optem por manter o Reino Unido dentro da União Europeia.

Os mercados de apostas servem como uma das raras fontes daquilo que poderíamos definir como clareza, diante da confusão causada pela Brexit –desde que os cálculos de probabilidade que eles oferecem estejam certos.

As pesquisas de opinião pública em geral vêm mostrando um eleitorado dividido. Até a semana passada, quando uma parlamentar que defendia a permanência na União Europeia foi assassinada, a opção de sair parecia mostrar pequena vantagem nos levantamentos.

Os investidores absorveram os números das pesquisas e causaram uma queda selvagem nos mercados, com a venda de libras esterlinas e de ações cotadas na bolsa de Londres, em preparação para o Brexit. E os mercados mostraram recuperação quando as pesquisas voltaram a apontar vantagem para a permanência na União Europeia.

Durante todo esse processo, os apostadores se mantiveram firmes, sinalizando fé em que as preocupações econômicas por fim triunfariam sobre as questões de identidade política.

Embora a margem tenha se reduzido durante algum tempo, as pessoas que apostam concluíram que o eleitorado optaria por permanecer parte da União Europeia.

INCERTEZA PRODUTIVA

Em boa parte do mundo, a perspectiva de que o Reino Unido abandone de fato a União Europeia gerou inquietação. A votação, em si, deflagrou incertezas preocupantes nos mercados mundiais, com corretoras, empresas e autoridades econômicas lutando por adivinhar o que poderia acontecer.

Mas em um quadrante do mundo do comércio –o setor de apostas– não saber o que acontecerá representa um ativo passível de exploração. Para os agentes de apostas, a incerteza é a parteira de todas as apostas. O Brexit representa um perfeito redemoinho de forças imprevisíveis: um risco geopolítico potencialmente grave que gerou fratricídio dentro do Partido Conservador, que governa o país, e um assunto que dominou a cobertura noticiosa. Todo mundo está prestando atenção. Ninguém sabe qual será o resultado.

"As apostas são simplesmente imensas", diz Mike Smithson, fundador e editor do PoliticalBetting.com, um site que funciona como uma espécie de terminal Bloomberg para as pessoas que apostam em eventos políticos. "É o maior evento de todos os tempos e em qualquer parte, em termos de apostas políticas".

Na terça e quarta-feira, apenas, o referendo Brexit, sozinho, atraiu apostas no valor de mais de três milhões de libras, a maioria das quais em transações online, com cerca de 75% optando pela permanência, estimou Smithson.

Esse é o quadro que confrontava Howe, 44, cozinheiro em um pub próximo, no momento em que ele entrou na agência de apostas da William Hill na quarta-feira, com o objetivo de usar o referendo sobre a saída britânica para ganhar algum dinheiro.

"Creio que apostarei na permanência, mas isso não vai pagar muito", ele diz.

Na esperança de obter retornos maiores, ele decide esperar antes de fazer sua aposta, nas horas seguintes. Ele talvez opte por apostar na saída –o resultado que seu coração prefere– tendo por base o apelo financeiro da escolha. Uma aposta em que o Reino Unido deixará a União Europeia oferece os retornos gratificantes reservados aos azarões, um lucro de três por um.

"Gosto de combinar apostas", diz Howe, recordando como ele se deu bem com uma complexa aposta na Eurocopa de futebol: Alemanha e Polônia ganharam, e Espanha e Croácia marcaram gols; os resultados combinados lhe propiciaram lucro. "Se não houver um páreo de que eu goste no turfe ou um jogo de futebol de que eu goste, apostarei dez libras no Brexit".

20 MILHÕES DE LIBRAS

A William Hill, maior cadeia de agências de apostas do Reino Unido, calcula que o setor coletivamente receberá apostas da ordem de 20 milhões de libras antes que os resultados do referendo sejam anunciados, anunciou Graham Sharpe, o porta-voz da companhia.

Ela espera que o total supere de longe os 3,25 milhões de libras em apostas que recebeu durante o último grande referendo político britânico, a votação sobre uma possível saída escocesa do Reino Unido, em 2014. Naquele caso, as pesquisas de opinião indicavam que o resultado era impossível de prever mas as apostas acertaram: a Escócia optou por ficar.

Para evitar a impressão de que Las Vegas deveria reservar espaço para o funcionamento da democracia britânica, vale apontar que os números agregados dessas apostas são ínfimos se comparados aos gigantes das apostas no Reino Unido: futebol e turfe.

A William Hill estima que o setor de apostas acumulará 500 milhões de libras em apostas na Eurocopa de futebol. Uma final de Copa do Mundo atrai, só ela, cerca de 200 milhões de libras, na mesma empresa.

Parte do motivo para que as apostas políticas sejam tão pequenas se comparadas às esportivas está em um fato que pode parecer chocante, nesse período de saturação e tagarelice interminável sobre Trump, Hillary e Brexit: não existem eventos políticos passíveis de aposta em número suficiente para os agentes de apostas.

"Em termos de apostas, o número de eventos é relativamente pequeno", diz Sharpe.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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