Folha de S. Paulo


Campanha cria anuário com histórias de jovens mortos por armas nos EUA

Heather Walsh/The New York Times
Yearbook Project Collects Stories of Children Killed in Shootings. A memorial button for Kedrick, who was an honor student bound for St. John’s University. Credit Heather Walsh for The New York Times
Shenee Johnson com foto do filho, Kedrick Morrow, morto em 2010 um mês antes de sua graduação

Guardada em algum lugar da casa de Shenee Johnson em Long Island -trancada em um armário ou escondida embaixo de uma cama, talvez- está uma cópia do anuário da escola de segundo grau de seu filho Kedrick Morrow.

Johnson não sabe exatamente onde o livro foi parar, e não se esforça por procurá-lo, mas em suas páginas, alguém lhe disse, Kedrick aparece sorrindo em meio aos retratos dos demais alunos -centenas de estudantes preparando-se para um futuro que o filho dela jamais veria. Semanas antes do que seria a sua formatura na Elmont High School, em 2010, Kedrick foi morto a tiros diante de uma casa em que estava acontecendo uma festa, no bairro de Springfield Gardens, Queens. Ele tinha 17 anos e havia sido aceito pela Universidade St. John's.

Desde então, a temporada de formaturas escolares, com sua parada interminável de alunos em becas e chapéus de formatura, serve como torturante lembrete do assassinato de Kedrick, mas este ano Johnson tem a esperança de que também lhe traga algum consolo. Ela e outros pais de crianças mortas em ataques armados se uniram, recentemente, por meio da organização New Yorkers Against Gun Violence (Nova-iorquinos Contra a Violência por Armas, em inglês), a fim de criar um anuário cujo objetivo é despertar a atenção para o custo que a violência armada impõe aos jovens.

O anuário, do qual uma versão digital está disponível em signtheiryearbook.com, está repleto de histórias e fotos de jovens vítimas de violência envolvendo armas de fogo, e tem como segundo objetivo servir como uma petição para a imposição de controles rigorosos de antecedentes para os compradores de armas de fogo, que a organização pretende entregar ao Congresso no final do ano. Mais de 2,3 mil pessoas assinaram a petição nos últimos 30 dias.

"A violência armada ficou tão politizada que às vezes as pessoas se esquecem de que ela também é pessoal", disse Johnson, 42. "Elas se esquecem dos seres amados que perdemos e das vidas que temos de reconstruir. Mas Kedrick era uma pessoa real".

Heather Walsh/The New York Times
Yearbook Project Collects Stories of Children Killed in Shootings. Shenee Johnson, with a photo of her son, Kedrick Morrow, who was killed in 2010 a month shy of his high school graduation. Credit Heather Walsh for The New York Times
Broche em memória de Kedrick, morto em 2010, que ia para a Universidade de St. John's

O anuário conta apenas 11 histórias, entre os 31.104 menores de idade que foram mortos em episódios envolvendo o uso de armas de fogo entre 1999 e 2014, nos Estados Unidos, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças. Deles, 1.111 foram mortos no Estado de Nova York, onde, com a aprovação de uma lei de segurança assinada pelo governador Andrew Cuomo, democrata, em 2013, estão em vigor algumas das leis mais rigorosas do país para o controle de armas. Elas incluem proibição reforçada à venda de armas de assalto e com pentes para grande número de balas; verificação de antecedentes mais rigorosa; e penalidades mais severas para as pessoas que empregarem armas ao cometer crimes.

Ainda assim, sem legislação federal abrangente, os proponentes de um controle de armas mais rigoroso dizem que armas de fogo são transportadas regularmente a Nova York de Estados nos quais a fiscalização é menos rigorosa. Na semana posterior ao massacre em Orlando, na Flórida, no qual 49 pessoas foram assassinadas em uma casa noturna, a bancada democrata no Congresso norte-americano redobrou seus esforços para impor leis severas de controle de armas, mas diversos casos de homicídios em massa com o uso de armas de fogo ocorreram sem resposta legislativa.

"Gostaríamos de ver no nível federal aquilo que temos aqui em Nova York", disse Leah Gunn Barrett, diretora executiva da New Yorkers Against Gun Violence. "As circunstâncias por trás de todas as histórias do anuário envolvem o acesso fácil a armas de fogo. Esperamos que os perfis desses jovens e todo o potencial perdido com suas mortes comovam o Congresso e o levem a fazer alguma coisa concreta".

FORMATURA

Sem as legendas, seria fácil confundir as fotos do anuário com as de seus congêneres escolares: indicações de uma vida à beira de se tornar adulta. As páginas incluem perfis como o de Alphonza Bryant, 17, estudante de ótimo desempenho em uma escola do Bronx, morta poucos meses antes de sua formatura por membros de uma gangue que estavam em busca de outra pessoa; Nicholas Naumkim, 12, um menino de Saratoga Springs conhecido por doar sua mesada a organizações de caridade e morto acidentalmente por um amigo que estava brincando com a arma do pai, em 2010; e Michael Graham, 13, de Brewster, que usou a arma do pai para se suicidar em 2013.

Para Natasha Christopher, 42, lutar por essa causa serviu como forma de terapia. Seu filho, Akeal, foi morto com um tiro na cabeça, enquanto caminhava para a casa de um amigo no Brooklyn, em junho de 2012. Ele queria trabalhar como maquinista de trem, mas foi morto aos 15 anos de idade. Christopher hoje é voluntária em tempo integral em organizações de controle de armas, e conta sua história dezenas de vezes por semana.

"Todos os outros estão se preparando para a cerimônia e o baile de formatura, enquanto eu organizo uma vigília em memória do meu filho", ela disse. "É assim que vivo, agora. Transformei minha dor em ação".

Depois da morte de seu filho, Christopher se mudou para um novo apartamento no Queens e removeu todas as fotos de Akeal. Seus dois outros filhos, Rashawn e Christopher, simplesmente não suportavam olhar para elas. Mas ela manteve uma gaveta com os pertences de Akeal. Uma camiseta azul escura na qual traços da colônia que ele usava ainda são perceptíveis serve como consolo à mãe.

Certa tarde recente, ela abriu um largo sorriso ao levar a camiseta ao rosto. Em seguida, conferindo o relógio, Christopher devolveu a camiseta à gaveta e se recompôs. Seus filhos estavam para chegar da escola, e ela não queria que a vissem sofrendo.

"Agora, minha esperança é a formatura de Rashawn, daqui a alguns anos", ela disse. "Rezo para que nada aconteça a ele antes disso".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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