Folha de S. Paulo


Muçulmanos gays nos EUA reagem a discurso de culpar islã por ataque

Um usa de avatar a foto de George Clooney, o outro compartilha a foto de um homem com túnica e taqiyah (touca típica da religião) brancas em contraste com uma faixa de arco-íris, símbolo LGBT.

São gays e muçulmanos, com orgulho —mas também medo. Reúnem-se numa comunidade no Facebook para "reconciliar o Islã e a sexualidade", com 1.679 membros.

Logo após a chacina em Orlando, sentiram-se duplamente feridos: ao menos 49 irmãos LGBT foram mortos por outro irmão, de fé.

Temem que o mundo tome a parte pelo todo e culpe dois bilhões de muçulmanos pelo ato do radical Omar Mateen, filho de afegãos que adorava tirar selfies e odiava a ideia de homens se beijando.

"Não em meu nome", diz Jazz Zatari. Administrador da agremiação virtual, ele atribui o ataque a um "ignorante covarde e odioso".

Editoria de arte/Folhapress

Como Jazz, muitos adeptos da religião questionam por que o Ocidente é rápido em acusar o "atraso cultural" do islã, como se a religião não fosse tão múltipla quanto qualquer outra. Lembram dos judeus ultraortodoxos que jogaram pedras em alunas palestinas, ou do fundamentalista cristão que matou 76 pessoas na Noruega em 2011.

"O homem gosta de colocar todos em caixinhas, e nos restou essa 'narrativa do mal', como se o islã fosse um só", diz à Folha o imã (líder muçulmano) gay El-Farouk Khaki. Ainda menino, ele emigrou da Tanzânia para o Canadá. Por lá, iniciou um pioneiro grupo para seguidores homossexuais de Alá, sob a tese de que seu Deus "não criaria gays para serem cidadãos de segunda classe".

Também é verdade que, das nações que preveem pena de morte por ser gay, a maioria segue o islã.

E há o midiático Estado Islâmico, que atira homossexuais do topo de prédios.

Para a presidente do grupo Muçulmanos por Valores Progressistas, Ani Zonneveld, o Ocidente tem sua parcela de culpa. "A criminalização de gays no mundo islâmico é resultado de leis colonialistas (...) Nos séculos anteriores [à chegada dos europeus], havia produção abundante de poesia homossexual, tem muito a ver com o Alcorão não prever punição para gays."

Há controvérsias. Como a Bíblia, que a certa altura fecha o reino de Deus a "efeminados e sodomitas", o Alcorão tem passagens que condenam o "povo de Lot", profeta em Sodoma.

CAVALO DE TROIA

Criado evangélico, Joey Johnson, 38, se converteu ao islã há oito anos. Em sua mesquita, na Geórgia (EUA), ninguém suspeita que tenha marido, um cristão com quem vive há 16 anos. Mas o preconceito, diz, vem sobretudo de fora. "Já me disseram que ia para o inferno porque não tinha como ser muçulmano e gay ao mesmo tempo."

Em artigo, o imã Daayiee Abdullah, americano e gay, aponta que seus conterrâneos deveriam questionar "por que [o tiroteio em Orlando aconteceu] aqui na América, sob a atual atmosfera política de 'nós contra eles'", em vez de demonizar o islã.

Ao dizer na segunda (13) que imigrantes muçulmanos são "uma versão maior e mais horrível" do cavalo de Troia, Donald Trump, o virtual presidenciável republicano, incorpora outro tipo de radicalismo, diz Scott Siraj Kugle, autor de "Homossexualidade no islã". "Orlando nos mostra quão imperativo é que muçulmanos nos EUA se aliem à comunidade LGBT. São duas minorias tentando assegurar seus direitos civis básicos."

Para Jazz Zatari, é a frase de John Lennon que fica: "Vivemos num mundo em que precisamos nos esconder para fazer amor, mas a violência é praticada à luz do dia".


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