Folha de S. Paulo


Peruanas temem recuo de direitos da mulher com Keiko ou Kuczynski

Após conquistarem avanços em várias frentes nos últimos anos, as organizações de defesa da mulher no Peru temem a eleição deste domingo (5). Nenhum dos dois candidatos têm as políticas de gênero como prioridade.

A principal vitória recente foi a aprovação da lei contra o assédio de rua, em 2015.

Guadalupe Pardo - 31.mar.2016/REUTERS
Feministas protestam contra a abertura do caso das esterilizações da ditadura de Fujimori no Peru
Feministas protestam contra a abertura do caso das esterilizações da ditadura de Fujimori no Peru

Iniciativa de um grupo de deputadas que obteve apoio do presidente Ollanta Humala, a lei, já em vigor, penaliza com entre 3 e 12 anos de prisão "conduta física ou verbal de natureza sexual contra mulheres em espaços abertos". Estão incluídos de comentários a toques e exibição de partes íntimas.

Uma caminhada pelo centro de Lima mostra que o panorama mudou um pouco, mas não por completo. Há cartazes de propaganda, e os policiais dizem ter recebido treinamento para agir em caso de denúncia.

"Mas muitas vezes o caso morre antes da denúncia formal, pois levamos a garota a um delegado que a intimida, pergunta por que ela se veste daquele jeito, e ela desiste da queixa com medo de alarmar a família, o namorado", disse à Folha uma policial que não quis ser identificado.

A campanha mais exitosa sobre assédio é da ex-jogadora e técnica da seleção peruana de vôlei, Natália Málaga.

Trata-se de um vídeo em que mães são disfarçadas de mulheres jovens e passam perto de seus filhos nas ruas, que assobiam ou soltam cantadas grosseiras até descobrirem a quem estão humilhando.

Assobie para a sua mãe

"Este é único jeito de fazer homens sem cultura nem educação entenderem que é errado assediar mulheres: mostrar que alguém pode fazer isso com a mãe, a irmã ou a filha deles", contou Málaga à Folha, em entrevista durante um treino, em Lima.

Como a treinadora é muito famosa, o caso ganhou projeção e o vídeo viralizou.

"O Peru é um país desigual, com muita pobreza, e muito machista. Quantas vezes não vemos mães educando filhas para se comportarem e se vestirem de modo recatado, e nada se diz para os garotos? Enquanto for assim, não muda nada. A lei fica no papel, e a vida segue como sempre."

ABORTO

No primeiro turno da eleição, a candidata socialista Verónika Mendoza foi alvo de crítica da Igreja Católica por defender o direito ao aborto. Religiosos orientaram fiéis a não votar nela nem no outro candidato de esquerda, Alfredo Barnechea, que também propunha despenalizar a prática. Mendoza rejeitou a intervenção política da igreja.

"Somos um país desesperadamente conservador, dói pensar que o resto da América Latina avança no assunto, ainda que lentamente, e o Peru, não", disse à Folha o escritor Santiago Roncagliolo.

O aborto só é permitido no Peru em caso de risco de morte da mãe. Um projeto para liberá-lo em caso de estupro foi derrotado no Congresso. "Não podíamos aprovar o 'aborto a la carte' como queriam os proponentes, é preciso preservar a vida do concebido", disse a deputada fujimorista Martha Chávez.

A candidata que lidera as pesquisas, Keiko Fujimori, se diz contra o direito ao aborto e se opõe a alterações na atual legislação. Já seu rival, Pedro Pablo Kuczynski, considera necessário incluir, ao menos, o aborto em caso de estupro, mas manteria vetado o livre acesso à prática.

O que tem feito vários grupos feministas irem às ruas em passeatas é a reabertura do processo contra as esterilizações sob o fujimorismo.

Dentro de um projeto de planejamento familiar, Alberto Fujimori (1990-2000) implementou uma política de operações de ligadura de trompas e vasectomias, praticadas sem o conhecimento dos operados, sobretudo nas regiões mais pobres do Peru. Estima-se que 250 mil mulheres tenham sido esterilizadas.

Um grupo de vítimas reuniu provas que apontam a existência de metas de esterilização e abriu um processo. A defesa diz que as mulheres eram questionadas se queriam se submeter ao procedimento, mas elas negam.

Keiko, que ignorou a questão na eleição de 2011, desta vez admitiu que "alguns casos, com os quais me solidarizo, podem ter ocorrido e devem ser investigados".

Ela nega, porém, uma política sistemática do governo do pai, que cumpre 25 anos de prisão por abusos de direitos humanos e corrupção.


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