Folha de S. Paulo


Chefe da OEA propõe ação contra Venezuela por crise política

Num gesto inédito, o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), o uruguaio Luis Almagro, convocou nesta terça (31) uma sessão urgente do Conselho Permanente da entidade para discutir a crise na Venezuela, com base na Carta Democrática Interamericana.

No limite, se o processo avançar, a Venezuela pode ser suspensa da organização.

Almagro justifica sua iniciativa a partir do pressuposto de que "um governante deve basear sua ação em uma visão de Estado, uma visão de longo prazo". Acrescenta: "O político imoral é aquele que perde essa visão, porque o único que lhe interessa é é manter-se no poder, à custa da vontade da maioria".

O presidente Nicolás Maduro já respondeu, com a grosseria habitual: sugeriu nesta mesma terça que Almagro "enrole a Carta Democrática em um tubinho e lhe dê um melhor uso".

Já a chancelaria venezuelana usou linguagem dura, mas civilizada, para dizer que "rechaça categoricamente" a iniciativa de Almagro, "que pretende de forma fraudulenta invocar o artigo 20 da Carta Democrática Interamericana".

BRASIL PRESSIONADO

O governo brasileiro, por enquanto, não vai endossar a iniciativa de Almagro por acreditar que ela não tem a menor possibilidade de se tornar de fato eficaz para incidir na crise venezuelana.

Não que o Itamaraty minimize a crise, considerada grave até por um aliado do governo de Maduro, o secretário-geral da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), Ernesto Samper.

Ele fez essa observação em encontro em Paris com o chanceler José Serra, conforme tuitou Serra.

É tão grave a crise, na avaliação de Brasília, que pode levar a choques violentos e, no limite, a um êxodo de venezuelanos em direção à fronteira brasileira.

Outra evidência da gravidade é o ineditismo da ação de Almagro. No relatório de 132 páginas que enviou ao Conselho Permanente, o secretário-geral diz que há indícios claros de alteração da ordem democrática na Venezuela, o que justifica a evocação da Carta.

Almagro propõe a data entre 10 e 20 de junho para a sessão de emergência. Os próximos passos serão decididos por votação.

Ações com base na Carta, como gestões diplomáticas, requerem aprovação por maioria simples, etapa que pode ser superada: pelos cálculos da diplomacia brasileira, votariam contra os países da Alba (Aliança Bolivariana dos Povos da América) e os do Caribe, beneficiados por petróleo venezuelano a preço subsidiado. São 13 votos.

Se todos os 21 restantes votarem a favor, ficaria aprovada a convocação dos chanceleres, o passo seguinte e o único que permite impor eventualmente sanções.

Mas, na reunião de chanceleres, o quórum é de 2/3, inalcançável pela oposição dos 13 "bolivarianos".

Ronaldo Schemidt/AFP
Venezuela´s National police members stand guard outside a supermarket while people line up to buy basic food and household items in the poor neighborhood of Lidice, in Caracas, Venezuela on May 27, 2016. President Nicolas Maduro announced a process of
Policiais protegem carga com alimentos para evitar saques na entrada de supermercado em Caracas

Desde a aprovação da Carta Democrática, em 2001, somente um país foi suspenso da organização -Honduras em 2009, depois da destituição sumária do presidente Manuel Zelaya.

Por isso mesmo, o governo brasileiro prefere aguardar para ver como avançam duas outras iniciativas sobre a Venezuela. Uma delas será apresentada nesta quarta, dia 1º, pelo embaixador argentino na OEA, Juan José Arcuri.

É uma versão bem mais leve, que sugere ao governo e à oposição da Venezuela que dialoguem com a OEA para construírem todos juntos uma solução para a crise.
A segunda iniciativa viria do governo venezuelano, mas não estava formatada.

Como o Itamaraty informa que trabalha em estreita colaboração com a Argentina, é lógico supor que a proposta dos argentinos é a que será apoiada por Brasília.

Até porque coincide com a orientação que o chanceler Serra emitiu, logo após rechaçar notas dos governos bolivarianos que chamavam de golpe o afastamento de Dilma Rousseff.

"Não vamos calar, mas não vamos escalar", disse então o chanceler.

Posto de outra forma, o Brasil não quer um conflito com a Venezuela e, sim, contribuir para enfrentar a crise.


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