Folha de S. Paulo


Apesar de discurso, redução de arsenal nuclear foi mais lenta sob Obama

Um novo recenseamento do arsenal nuclear dos Estados Unidos mostra que no ano passado o governo Obama desmantelou o menor número de ogivas nucleares desde que assumiu.

Os novos números divulgados pelo Departamento de Defesa também colocam em destaque uma tendência - a de que o atual governo reduziu o número de ogivas nucleares dos Estados Unidos em ritmo menor do que o de qualquer outra Presidência do período pós-guerra fria.

France Press
A bomba atômica B-53 em um centro de produção em Amarillo, no Texas
A bomba atômica B-53 em um centro de produção em Amarillo, no Texas

Na quinta-feira (26), a Federação dos Cientistas Americanos, uma organização privada em Washington que apoia vigorosamente o controle de armas, divulgou uma análise sobre os novos números, em seu blog Strategic Security. A divulgação anual dos números sobre o arsenal pelo Pentágono não parece ter conexão com a visita do presidente Barack Obama a Hiroshima, na sexta-feira (27). A cidade foi destruída por uma bomba atômica lançada pelos Estados Unidos há quase 71 anos.

DISCURSO E PRÁTICA

Ainda assim, os novos números e a análise da federação mostram a distância considerável entre a visão de Obama quanto a um mundo sem armas nucleares, que ele delineou nos primeiros meses de sua presidência, e as duras realidades geopolíticas e burocráticas que abandonar essas armas acarreta na prática.

A falta de progresso recente tanto no controle de armas quanto no desmonte de ogivas também parece coincidir com o esforço do governo por modernizar o arsenal nuclear, o que inclui armas melhoradas e novos bombardeiros, mísseis e submarinos. Esses avanços devem custar até US$ 1 trilhão, ao longo das próximas três décadas.

O novo recenseamento é um relatório anual que o Pentágono vem divulgando nos últimos anos para detalhar quantas armas restam no arsenal nuclear norte-americano, e quantas das armas tiradas de uso foram desmanteladas.

Carlos Barria/Reuters
O presidente Barack Obama abraça sobrevivente do bombardeio atômico de Hiroshima em 1945
O presidente Barack Obama abraça sobrevivente do bombardeio atômico de Hiroshima em 1945

O recenseamento, que atualiza os números até 2015, foi postado este mês no site de governo aberto do Departamento de Defesa, sob o título "dados anteriormente restritos e agora liberados". O site aponta que os números são válidos para o período até 30 de setembro de 2015, o fim do ano fiscal para o governo dos Estados Unidos.

SEGURANÇA

Os defensores de Obama afirmam que a desaceleração é compreensível dado o crescente nível de hostilidade e de intransigência do presidente russo Vladimir Putin, bem como a dificuldade inerente do controle de armas e de projetos técnicos complexos.

Os novos números mostram que em 2015 o governo Obama desmantelou 109 ogivas, o menor número de sua presidência, ante um pico de 356 em 2009, o ano em que ele assumiu o posto.

A desaceleração veio apesar de declarações do secretário de Estado John Kerry a controladores internacionais de armas, em abril de 2015, no sentido de que "o presidente Obama decidiu que os Estados Unidos buscarão acelerar em 20% o desmantelamento de ogivas nucleares".

Reuters
Técnicos de usina nos EUA analisam bomba atômica B-53
Técnicos de usina nos EUA analisam bomba atômica B-53

Em março, em seu relatório anual ao Congresso, a Administração Nacional de Segurança Nuclear norte-americana, que controla o arsenal nuclear do país, atribuiu a responsabilidade pela desaceleração a "revisões de segurança, incidência incomum de relâmpagos e uma greve de trabalhadores na Pantex", a instalação que cuida do desmantelamento de armas nucleares, no Texas. Quando relâmpagos atingem a área da instalação, podem deflagrar o alto explosivo usado na destruição de armas nucleares.

TENDÊNCIA DE LENTIDÃO

Na quinta-feira, Hans Kristensen, diretor do Projeto de Informação Nuclear da federação dos cientistas, questionou a lógica do governo. "Ainda que 2015 tenha sido um ano de baixa incomum", ele escreveu em seu blog sobre os números anuais do governo quanto ao desmantelamento de armas, "o histórico de desarmamento do governo Obama demonstra claramente uma tendência à redução cada vez maior no número de ogivas desmanteladas".

Se o ritmo baixo do governo Obama persistir, acrescentou Kristensen, o atraso do país no programa de desmantelamento de armas nucleares "persistirá até pelo menos 2024".

Na quinta-feira, o blog da federação também atualizou uma questão nuclear que Kristensen mencionou pela primeira vez em 2014 - a de que Obama havia reduzido as dimensões do arsenal nuclear dos Estados Unidos em ritmo muito mais lento do que os de seus três predecessores imediatos, entre os quais George Bush pai e George Bush filho.

NÚMERO DE OGIVAS

O novo recenseamento do Pentágono demonstra que o arsenal nuclear dos Estados Unidos era de 4.571 ogivas em 2015 - ante 5,273 ogivas em 2008, o último recenseamento nuclear da presidência de George Bush filho.

A redução total de 702 ogivas, ou 13,3%, apontou Kristensen, "não é um total baixo", mas ainda assim representa "a menor redução de arsenal promovida por qualquer dos governos posteriores à guerra fria".

Ele disse que era justo acrescentar que o ritmo modesto não era inteiramente culpa de Obama.

"Sua visão de reduções significativas e de pôr fim ao pensamento da guerra foi contestada por oposição que varia do Congresso ao Kremlin", escreveu Kristensen. "Um Congresso firme e quase que ideologicamente oposto combateu a visão dele quanto à redução de armas a cada passo".

Moscou, ele acrescentou, rejeitou cortes superiores ao modesto objetivo acordado no Tratado Novo Começo, assinado em 2010 e que vigora desde 2011.

A visita de Obama a Hiroshima acontece à sombra de seu legado no terreno das armas nucleares, argumentou Kristensen. Os ganhos modestos que ele obteve incomodaram os defensores do controle de armas, ele escreveu, especialmente porque os planos de modernização do presidente "nada têm de modestos".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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