Folha de S. Paulo


ROSIER ALEXANDRE

Após duas tentativas, montanhista cearense alcança o topo do Everest

Reprodução/Facebook
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Rosier Alexandre, brasileiro que conseguiu chegar ao topo do Everest na temporada deste ano

RESUMO - Um ano após viver um drama quando um terremoto atingiu o Nepal enquanto ele escalava a montanha mais alta do mundo, o alpinista cearense Rosier Alexandre, 47, chegou ao topo do Everest no último dia 20. Em sua primeira entrevista após a proeza, ele relembra os momentos de terror e alívio da escalada. Rosier é o sexto brasileiro a chegar aos sete pontos mais altos do mundo.

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Agora que estou num hotel em Katmandu (Nepal) a sensação é boa, mas enquanto eu estava no Tibete (China) foi duro. Eu já tinha tentado duas vezes chegar ao cume do Everest (8.848 metros de altitude) pelo Nepal, mas desta vez decidi subir pelo lado tibetano, que é menos perigoso.

Só que a incompetência e a burocracia dos chineses tornaram tudo mais difícil. No Tibete, todo dia passávamos por cinco barreiras do governo, os policiais entravam na van com metralhadoras. Pensam que todo mundo está ali para libertar o Tibete e fazer uma revolução.

E os chineses atrasaram muito a instalação das cordas. Em geral, no comecinho de maio está pronto. Este ano só instalaram as cordas no dia 18. Isso aumentou a tensão, porque a estação de escalada acaba dia 25. Depois o clima muda e fica muito perigoso subir. Os sherpas (guias) dizem que até os deuses abandonam a montanha.

Durante a escalada, várias vezes eu peguei na corda e ela saiu da parede. Você pira.

Eu pedia muito a Deus para não ver nenhum cadáver na montanha, porque é chocante. Eu acabei vendo três. É terrível, você pensa: "Podia ser eu". O primeiro que eu vi eram 2h, minha lanterna passou em cima do cara e eu ouvi o guia gritando "vai, vai", para eu não ver aquilo. Só que você está encostado numa parede, não tem como ir rápido.

Ele estava na parede, como se estivesse descansando. Não parei para olhar para o semblante, porque é desesperador. O cara ali vestido que nem você, com a mesma bota, os mesmos equipamentos. E eu tive sorte, só vi três. O Everest guarda mais de cem cadáveres.

Logo depois, a corda que me segurava soltou da parede e eu me senti como o terceiro cadáver. Como eu xinguei os chineses. Conheço todos os continentes, se tem um lugar na terra onde nunca mais quero passar perto é a China.

MEDO

Me perguntam qual a sensação de chegar no cume. Cara, é a pior possível. É uma tensão tão grande que não dá para chegar lá e dizer "viva, missão cumprida!". Do jeito que a via foi mal instalada, o que senti no cume foi um medo filho da mãe. Sabia que o risco na descida era muito grande. Cerca de 80% das mortes são na descida.

Chegando no cume, tirei a luva externa para fazer foto e minha mão congelou na hora. Ainda estou com a ponta dos dedos semicongelada. Fiquei lá só uns 15 minutos. Nem dá para pensar que estava no teto do mundo. Foi só quando cheguei ao acampamento, a 8.300 metros, ainda na zona da morte, que caiu a ficha. A tensão é tão grande que você só quer sobreviver.

Desde moleque, olhando as montanhas da minha cidade natal de Monsenhor Tabosa (sertão cearense), sempre fui fascinado por essa brincadeira de subir pedra. Mas nunca imaginava que um dia isso se transformaria num sonho tão real.

O próximo desafio é descansar. Estou há 11 anos neste projeto. Foi um desgaste físico, emocional e financeiro grande. Custou perto de R$ 2 milhões, a maior parte do meu bolso. Certamente continuarei com as escaladas, mas nada da dimensão dos sete cumes. Agora quero curtir esse sonho realizado.


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