Folha de S. Paulo


Opinião

Bombardeio de Hiroshima não pode ser descontextualizado

Barack Obama não podia —nem devia— pedir desculpas agora pelo uso da bomba atômica em Hiroshima em agosto de 1945. Não pega bem um presidente desautorizar uma decisão polêmica de um predecessor, ainda mais do mesmo partido, e tomada em momento muito difícil.

Sem contar que a maioria da população americana ainda defende o uso da bomba contra o país que atacou os EUA em dezembro de 1941, bombardeando a base aeronaval de Pearl Harbor, Havaí, e matando milhares.

Mas, sem relembrar o contexto do último ano da Segunda Guerra (1939-1945), não faz sentido se dizer "contra" ou "a favor" do emprego da bomba. Era praticamente inevitável que a arma fosse usada.

Se não fosse o fanatismo dos militares japoneses, amplamente demonstrado, não teria sido considerado necessário para os americanos usarem duas bombas contra o inimigo —a segunda logo depois, contra Nagasaki.

Mesmo depois de lançada a primeira bomba os militares "linha dura" japoneses queriam continuar resistindo. Mesmo após terem perdido a maior parte da sua marinha, tanto a mercante —arrasada pelos submarinos americanos— como a de guerra —destruída em uma série de clássicas batalhas navais.

As forças aéreas nipônicas -uma da Marinha, outra do Exército- também foram destroçadas. A opção foi inventar o avião-suicida, o kamikaze. A ideia era que um avião carregado de bombas, uma espécie de míssil inteligente guiado pelo cérebro do piloto suicida, poderia afundar um navio americano. Se tivesse funcionado seria perfeito, trocando um pequeno avião por um grande navio.

Centenas de superbombardeiros americanos B-29 foram explodindo e incendiando as cidades japonesas uma atrás da outra. Cidades com casas de madeira e papel eram ex vulneráveis a ataques com bombas incendiárias, como um violento ataque aéreo a Tóquio demonstrou.

Em termos de perdas humanas, não foi muito diferente do que houve em Hiroshima e Nagasaki. A diferença era que a bomba atômica concentrava o poder explosivo (bastou um B-29 para jogar cada bomba), além de ter o efeito da radiação, ainda pouco conhecido.

Durante os combates pela ilha de Okinawa, "poucas semanas antes de Hiroshima, 123 mil japoneses e americanos se mataram (cerca de 140 mil japoneses morreram em Hiroshima", escreveu o americano Paul Fussell, veterano da guerra e professor de literatura, no polêmico ensaio "Agradeço a Deus pela Bomba Atômica".

Fussell lutou na Europa e estava destinado a invadir o Japão, sabendo que o fanatismo do militar japonês criaria uma nação de kamikazes. Escapou disso com difícil decisão de Harry Truman de lançar a bomba.


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