Folha de S. Paulo


Opinião

Guinada do Itamaraty a favor do Brasil

O governo Michel Temer, em menos de uma semana, definiu as principais diretrizes de sua política externa e procurou indicar os rumos que pretende imprimir na complexa agenda externa.

As primeiras reações negativas dos petistas à politica externa do governo Temer concentram sua artilharia na ideia de uma ideologia conservadora e neoliberal das medidas anunciadas. Criticam um suposto afã de se diferenciar dos governos anteriores com o abandono das principais linhas de política externa defendidas pelo lulopetismo, como o Mercosul, a política Sul-Sul (abandono da Africa, do Oriente Médio e da América do Sul); no abandono ao multilateralismo; na atitude subserviente com a aceitação do unilateralismo hegemônico e ampliação das relações com os países desenvolvidos e na aceitação do acordo dos EUA com a Ásia.

E também na pouca disposição para ousar uma atitude independente se resignando ocupar cantinho pequeno do mundo, de onde nunca o Brasil deveria ter saído.

Evaristo Sá - 18 mai. 2016/AFP
José Serra, ministro das Relações Exteriores do governo de Michel Temer
José Serra, ministro das Relações Exteriores do governo de Michel Temer

A crítica que muitos de nós fizemos ao lulopetismo questionava a defesa de uma plataforma partidária, em muitos casos, contrária ao interesse nacional, como, em especial, no caso da expropriação das refinarias da Petrobras na Bolívia, sem reação firme do governo brasileiro.

No Mercosul na suspensão do Paraguai para a inclusão da Venezuela, na aceitação, sem contestação, de medidas protecionistas ilegais da Argentina que prejudicaram sensivelmente as empresas brasileiras. E ainda no descaso em relação à democracia e aos direitos humanos pelo apoio explícito a regimes autoritários e pela devolução a Cuba de pugilistas desse pais que pediram asilo no Brasil.

A crítica que se faz agora a uma pretensa ideologia conservadora e neoliberal talvez tenha a ver com o fato de que o novo Itamaraty reconhece que, nos 13 anos de PT, a política externa deixou de ser uma política de Estado e passou a ser uma política do Partido dos Trabalhadores.

A partidarização da política externa esvaziou e desprestigiou o Ministério das Relações Exteriores, que perdeu a centralidade do processo decisório e, em alguns casos, da própria execução da política externa pela interferência direta de representante do Planalto.

O resultado da política externa dos últimos 13 anos foi o isolamento do Brasil das negociações comerciais com sérios prejuízos ao país. Com o fracasso da Rodada de Doha e pela politização dos entendimentos comerciais, o Brasil deixou de seguir a tendência global de negociar acordos de livre comércio bilaterais com mercados maiores e mais dinâmicos e perdeu oportunidades para a abertura de mercado para produtos industriais.

A submissão do Itamaraty à plataforma politica de um partido politico tornou o Brasil subserviente na América do Sul ao bolivarianismo populista com os conhecidos resultados negativos para os interesses brasileiros, agravados por práticas pouco transparentes que cercaram as decisões sobre serviços prestados por empresas brasileiras.

O Brasil ficou a reboque dos acontecimentos na região, o que acabou resultando nas criticas recentes da Unasul (União das Nações Sul-Americanas), da OEA (Organização dos Estados Americanos) e dos países da Aliança Bolivariana (a Alba), com o apoio e o estímulo do PT, numa atitude inaceitável para qualquer governo. A reação do Itamaraty na defesa de nossa soberania foi confundida com arrogância e prepotência.

O período da diplomacia ativa e altiva do governo Lula combinava o respaldo da economia estável e em crescimento com o desejo de protagonismo internacional de Lula.

O Itamaraty atuou eficientemente para apoiar essa agenda. Ninguém nega avanços significativos nesses anos como em especial a criação dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) como um ator importante nas relações internacionais, o Ibas, grupo comercial integrado pela Índia, Brasil e Africa do Sul, e as novas ênfases nas relações com os países africanos e com os países árabes.

Na retórica oficial do PT, as relações com a América do Sul e a integração regional se ampliaram com a criação da Unasul, do Conselho de Defesa e com o Mercosul econômico-comercial se transformando em fórum politico e social.

Não há dúvida de que o novo governo assumiu atitude muito diferente daquela do PT.

A percepção quanto à importância do interesse nacional surge na tentativa agora de se tirar o Brasil do isolamento e reinseri-lo em um mundo em grande transformação com desafios que o governo Dilma Rousseff se recusou a enfrentar.

Na realidade, limitando os comentários apenas ao nosso continente, o Brasil havia perdido seu papel da liderança na América do Sul, o Mercosul se derreteu e o Brasil, por afinidades ideológicas, só atuou de maneira reflexa e seguidora das iniciativas bolivarianas, relegando os EUA e a Europa a um distante segundo plano.

As definições de políticas em torno do Mercosul, dos países em desenvolvimento e dos países desenvolvidos e do multilateralismo agora vão ser tomadas de acordo com os interesses maiores do Brasil e não em decorrência de uma visão de mundo preconceituosa e, por que não ser claro, de complexo de inferioridade de seus atuantes.

Quanto aos resultados das políticas que apenas começam a se esboçar, talvez, para os opositores, o melhor seja esperar para ver.

E, para os que a apoiam, dar um crédito de confiança, a fim de ver se o Brasil vai ajustar sua politica externa às grandes transformações no mundo e bem definir o que deseja no seu relacionamento político, econômico e comercial com os centros dinâmicos globais.

Talvez seja prematuro e apressado, com pouco mais de semana de governo, os opositores considerarem que o Brasil não manterá uma atitude independente e desassombrada como afirmou em artigo recente publicado pela Folha o ex-chanceler de Lula, que bem gostava quando era elogiado por ter permanecido no Itamaraty mais tempo do que o Barão do Rio Branco, figura que parecia admirar em outros momentos de sua carreira, mas que agora, como no jargão petista, reduz a um "elitista".

RUBENS BARBOSA foi embaixador em Londres e em Washington e é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp e do Irice (Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior)


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