Folha de S. Paulo


Campos pioram crise de refugiados, diz geógrafa na 'Science'

Os campos para refugiados são uma tradição da ajuda humanitária internacional desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), mas podem estar piorando a situação de quem tentam ajudar, diz uma pesquisadora americana que passou 16 meses estudando o problema entre 2009 e 2013 na Geórgia.

Com base nessa experiência e na análise de campos ao redor do mundo, Elizabeth Cullen Dunn, do Departamento de Geografia da Universidade de Indiana (EUA), publicou um artigo na última edição da revista científica "Science" mostrando as falhas do sistema de ajuda humanitária.

"Cada vez mais a ajuda humanitária é uma solução temporária para um problema permanente, um tampão que não somente não ajuda as pessoas deslocadas a se reassentar, como torna mais difícil que continuem com suas vidas", escreve Dunn.

Thomas Mukoya - 16 jul. 2011/Reuters
Refugiados fogem de nuvem de poeira no campo de Dadaab, na fronteira do Quênia com a Somália
Refugiados fogem de nuvem de poeira no campo de Dadaab, na fronteira do Quênia com a Somália

Campos sempre foram planejados para ser temporários. Terminada a crise, essa população poderia voltar para suas casas. Mas, como lembra a pesquisadora, mais de 80% das crises de refugiados duram mais de dez anos, e 40% duram mais de 20 anos.

Países que recebem refugiados costumam considerar os campos como algo transitório e evitam construí-los com materiais duradouros ou infraestrutura adequada.

Com isso, os refugiados tendem a achar que vivem, na prática, em uma prisão. O campo Azraq, na Jordânia, por exemplo, foi construído para abrigar até 130 mil. Em 2015, tinha apenas 13.361. Os refugiados preferiam tentar a sorte nas cidades.

Um campo no Quênia, Kakuma, tem uma política radical: refugiados são proibidos não só de procurar emprego fora do campo, como também estão proibidos de sair dele.

Campos de refugiados

IMPROVISO

A maneira improvisada e sem coordenação como as ONGs (organizações não-governamentais) e governos doadores prestam auxílio também não contribui para amenizar as crises.

"Como as agências de ajuda competem por financiamento de doadores, elas em geral não estão dispostas a compartilhar planejamento e informações umas com as outras", escreveu a geógrafa na "Science".

Esse caos bem-intencionado deixa os refugiados inseguros, sem saber quando chega a ajuda e de que tipo será.

Thomas Mukoya - 3 abr. 2011/Reuters
Fotografia aérea de 2011 mostra campo de refugiados em Dadaab, no Quênia
Fotografia aérea de 2011 mostra campo de refugiados em Dadaab, no Quênia

"Mas se eles tiverem informação clara, podem fazer planos. E se essa ajuda é em dinheiro, em vez de em programas de treinamento ou pacotes genéricos de assistência, podem usá-lo pra obter o que mais necessitam, em vez de aquilo que as agências acham que precisam", declara Dunn.

Segundo ela, a transferência direta de dinheiro tende a melhorar a segurança econômica das famílias e já foi bem-sucedida em países como Turquia ou Somália, mas só corresponde a 6% do total da ajuda humanitária a pessoas deslocadas.

MORADIA PERMANENTE

"Existem duas soluções duradouras para a crise de refugiados: acabar com a guerra e reconstruir o país, ou encontrar outro país que realoje as pessoas permanentemente. Como muitos não podem regressar por décadas, encontrar um lugar permanente é realmente a única solução viável", afirma.

Mas como convencer os governos a integrar os refugiados em seus países, em vez de segregá-los ou expulsá-los?

A melhor maneira é salientar que eles são um recurso econômico valioso e contribuem para a economia local ao comprar comida, mobília, roupas, defende Dunn.

"Estudos mostram que a maioria dos refugiados se torna colaboradores, e não um fardo para a economia, em cerca de cinco anos", diz.

Ou seja, países desenvolvidos, mas estagnados, podem se beneficiar do fluxo de uma força de trabalho jovem e do estímulo econômico.


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