Folha de S. Paulo


Argentina tenta emplacar sua chanceler no comando da ONU

O presidente da Argentina, Mauricio Macri, pretende anunciar até segunda (23) a candidatura de sua ministra de Relações Exteriores, Susana Malcorra, à chefia da ONU. O sul-coreano Ban Ki-moon, que comanda a organização há cinco anos, deixará o posto em dezembro.

O apoio de Macri à chanceler não é segredo: uma argentina na secretaria-geral da ONU daria ao país maior projeção internacional. O chefe de gabinete da Presidência, Marcos Peña, disse que "seria uma honra para a Argentina que sua chanceler fosse eleita". No país, já se discute sucessor para ela.

Kim Kyung-Hoon/Reuters
A ministra das Relações Exteriores, Susana Malcorra, se encontra com chanceler chinês, Wang Yi
A ministra das Relações Exteriores, Susana Malcorra, se encontra com chanceler chinês, Wang Yi

Em entrevista publicada na segunda (16) pelo "Clarín", Malcorra falou sobre a eleição, na qual concorrem mais quatro mulheres e quatro homens —a búlgara Irina Bokova, hoje à frente da Unesco (braço da ONU para cultura e educação), é favorita.

"Acredito em um projeto transformador para a ONU. É preciso falar sobre trabalhar os problemas concretos das pessoas no mundo", afirmou.

Engenheira elétrica, Malcorra, 61, passou por IBM e pela Telecom Argentina (da qual foi presidente) antes de ingressar na ONU, no Programa Mundial de Alimentos.

No fim de 2015, foi convidada por Macri a integrar o governo. Na ocasião, já havia relatos de que ela sinalizara intenção de concorrer à ONU, onde era, até então, chefe de gabinete de Ban Ki-moon.

TOUR DE VOTOS

De dezembro, quando assumiu o ministério, até o fim desta semana, Malcorra terá passado por 15 países, inclusive por quatro (EUA, China, Rússia e Reino Unido) dos cinco que podem vetar o nome do próximo secretário-geral (falta apenas a França).

O tour serviu tanto para aproximar a Argentina de potências globais das quais o país havia se afastado nos 12 anos de kirchnerismo como para que a ministra testasse sua receptividade.

No Reino Unido, que pode se opor a uma secretária-geral argentina por causa das ilhas Malvinas (ou Falklands), a chanceler afirmou que a disputa pelo território não pode dominar a relação.

"Foi um modo de pedir para que Londres não a rejeite", disse à Folha um ex-funcionário de alto escalão do Ministério de Relações Exteriores da Argentina.

No meio diplomático, ressoam comentários de que a chanceler está priorizando a campanha em detrimento aos interesses do governo.

Há pressão interna e externa na ONU para que uma mulher suceda Ban —o próprio secretário-geral, em entrevista à Folha em dezembro, afirmou que "é mais do que hora de uma mulher comandar" o organismo multilateral.

O acordo tácito que prevê rotação geográfica do posto aponta para o Leste Europeu, com candidatas de Bulgária, Moldova e Croácia e candidatos de Eslovênia, Sérvia e Moldova (Nova Zelândia e Portugal fecham a lista).

Mas, no Conselho de Segurança, as preferências de russos e americanos não coincidem (Bokova, favorita, é considerada palatável para Moscou e precisa convencer Washington). Isso pode dar fôlego à ex-premiê neozelandesa Helen Clark e a Malcorra.

Há, porém, dúvidas sobre a trajetória da argentina.

A falta de experiência diplomática é tida por muitos como um aspecto negativo (apesar de ser uma funcionária de alto nível da ONU, ela não tem uma carreira longa na área). Outros veem em seu conhecimento burocrático um trunfo para o posto.

Pesa ainda contra Malcorra a suspeita de que ela tenha tentado esconder um escândalo de abuso sexual de crianças por soldados da ONU em missões de paz.

Uma investigação da ONU apontou que a resposta às denúncias foi problemática, mas não condenou Malcorra por abuso de autoridade.

A chanceler, que não chegou a ser alvo de acusação formal, disse recentemente que deu "todo apoio à investigação" e que suas ações estiveram "em linha com suas responsabilidades como chefe de gabinete" de Ban.


Endereço da página:

Links no texto: