Folha de S. Paulo


Análise

Discurso de estreia de José Serra é forte, mas deixa incertezas

A cerimônia de posse do senador José Serra à frente do Ministério das Relações Exteriores foi o evento mais concorrido de Brasília neste início de governo.

Serra atacou a diplomacia de Lula e Dilma como ideológica, irresponsável, ignorante em temas de comércio e descolada dos reais interesses do país. Dos membros do novo ministério, ele foi o mais feroz na crítica ao PT.

Pedro Ladeira/Folhapress
O novo ministro das Relações Exteriores, Jose Serra, em sua cerimônia de posse em Brasília
O novo ministro das Relações Exteriores, Jose Serra, em sua cerimônia de posse em Brasília

O chanceler tem tido grande impacto. Na última semana, ele fez manchetes em todos os jornais. Sua primeira fala pública foi interrompida pela celebração do público presente, coisa que não ocorreu com nenhum de seus colegas de ministério. Quando prometeu reinserir o Itamaraty no "núcleo central" do poder, foi ovacionado.

Serra começa no comando dos holofotes. Se souber jogar o jogo, a passagem pelo Itamaraty poderá ser um dos capítulos mais importantes de uma longa vida pública.

O discurso de posse é uma lufada de ar fresco para quem acompanhou a diplomacia brasileira do governo Dilma. O ministro tratou de temas cruciais numa toada que ninguém ouvia há muitos anos.

O discurso, porém, tem problemas que vale ressaltar.

O mais significativo diz respeito a uma contradição fundamental: Serra denunciou a diplomacia do PT como ideológica e partidária, mas propôs um programa abertamente ideológico e partidário.

Pregou aproximação à Argentina de Macri, "com a qual passamos a compartilhar referências semelhantes para reorganização da política e da economia". Celebrou a identidade comum "de visões internacionais" com o México de Enrique Peña Nieto.

Se existe diplomacia aparelhada e partidarizada à esquerda, também existe à direita. Se isso produziu equívocos grosseiros à esquerda, poderá ter resultados igualmente ruins à direita.

A fala do ministro também traz silêncios notáveis.

Este foi o primeiro discurso de posse em quase vinte anos de Itamaraty sem a expressão "América do Sul". Se foi descuido, será sanado. Se foi desenho, então estamos diante de uma revisão profunda da estratégia do Brasil.

Serra tampouco fez menção à geopolítica, num momento da história em que ela se recrudesce. O motivo disso é simples: este governo quer sinalizar que vai perseguir mais comércio exterior, e o discurso de posse do chanceler centrou-se nisso.

Mas seria um equívoco enorme ignorar a conexão profunda entre geopolítica e comércio. Como o Brasil precisa ajustar com urgência aquilo que faz no âmbito geopolítico, teria sido bom saber o que pensa o novo diplomata-chefe sobre o tema.

A maior surpresa fica mesmo no quesito comercial. Na prática, Serra mostra que não há grandes acordos no horizonte imediato.

Com a Europa estamos em compasso de espera. Com a China queremos prioridade, mas não há plano para obtê-la. Com os Estados Unidos não há espaço para mais que ajustes pontuais. A OMC encontra-se no estado em que está, e o maior problema é de fato o enorme "custo Brasil".

Faltou explicar à opinião pública o que a diplomacia pode fazer diante disso tudo.


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