Folha de S. Paulo


Justiça dos EUA falha em proteger vítimas de extorsão sexual

Desde que a polícia e a Justiça dos EUA começaram a registrar os primeiros casos, no início da década de 2000, o crime de extorsão sexual proliferou na internet, afetando as vidas de milhares de pessoas e causando vítimas nos mais variados lugares, de campi universitários a bases militares.

Nesta quarta (11), a Brookings Institution divulgou dois estudos descritos como as primeiras pesquisas aprofundadas sobre a extorsão sexual—que envolve a exploração de fotos que mostram uma pessoa nua a fim de extorquir conteúdo sexual ainda mais explícito ou outros bens— e seu lugar precário em um sistema judicial que reconhece sua existência, mas ainda não inscreveu esse crime em leis específicas.

"A questão é o ambiente de segurança em um mundo no qual qualquer um pode atacar qualquer um, de qualquer lugar", disse Benjamin Wittes, pesquisador sênior de estudos de governança na Brookings e um dos autores dos estudos.

Eduardo Knapp - 7.abr.2010/Folhapress
Agressores usam rede social para obter primeira foto e então exigir suprimento contínuo de imagens
Agressores usam rede social para obter primeira foto e então exigir suprimento contínuo de imagens

"Quando pensamos sobre isso, em geral o que temos em mente são ataques por aeronaves não tripuladas (drones) ou ataques cibernéticos, que envolvem todos esses elementos. Mas não costumamos pensar em violência sexual."

Promotores públicos dizem que a extorsão sexual é cada vez mais comum, e que há até 6,5 mil vítimas conhecidas desse tipo de crime. Ele envolve invadir computadores para roubar imagens ou tomar o controle de uma webcam e usar os arquivos obtidos para extorquir as vítimas.

O mais frequente é que os autores usem a mídia social a obter uma foto e depois a usem para exigir suprimento contínuo de novas imagens.

Um funcionário do Departamento de Estado que trabalhava na Embaixada dos EUA em Londres foi sentenciado a quatro anos depois de ameaçar postar imagens sexualmente explícitas de mulheres.

As agências policiais e da Justiça reconhecem a proliferação da extorsão sexual, mas ela não existe como um delito separado nas leis federais ou estaduais norte-americanas, e nenhuma agência governamental mantém dados específicos sobre esse tipo de crime.

Não há literatura acadêmica disponível para educar o público ou oferecer informações às vítimas. É um crime remoto e anônimo. Envolve inteligência elevada no uso da computação e dá a predadores sexuais acesso a milhares de potenciais vítimas, dizem os pesquisadores.

Segundo Wittes, esse tipo de crime não vem sendo tratado como deveria.

Ele afirmou que uma das coisas mais alarmantes sobre esse tipo de caso é a capacidade dos perpetradores de ampliar seus ataques.

"No passado, era impossível ir a um lugar e praticar ataques sexuais contra muitas pessoas", disse. Com um computador, diz, "agora isso é possível".

A Brookings, por exemplo, identificou pelo menos 1.397 vítimas em apenas 78 casos. Em um deles, promotores identificaram "pelo menos oito possíveis vítimas menores de idade" de um homem na Califórnia que se fazia passar por adolescente na mídia social a fim de iludir verdadeiras adolescentes e conseguir que lhe enviassem fotos explícitas.

Em outro dos casos, o governo se refere "a mais de cem" possíveis vítimas de um perpetrador.

Mas como a extorsão sexual não é crime, seus perpetradores terminam processados nos termos de uma mistura confusa de leis federais e estaduais, que tratam de perseguição, extorsão e fraude na computação.

De acordo com a Brookings, 71% dos casos envolviam apenas menores, e quase todas as vítimas adultas eram mulheres.

Witte disse que os casos envolvendo adultas apresentam ainda outro problema. Os casos com menores não enfrentam obstáculos processuais, porque as leis de pornografia infantil são muito severas.

Mas quando a vítima passa dos 18 anos, boa parte dessas proteções desaparece. "Os grupos de proteção em geral não têm mulheres adultas como foco", disse Wittes. "Para mim, esse é um grande vazio na discussão."

De acordo com Mary Anne Franks, da Iniciativa pelos Direitos Civis Cibernéticos, as vítimas ficam especialmente desprotegidas quando o crime não envolve interação física.
"Quando você se torna mulher", diz, tudo passa a ser aceitável.

A Iniciativa pelos Direitos Civis Cibernéticos desempenhou papel importante em aprovar leis contra a pornografia não consensual, também conhecida como "pornografia de revanche", em 31 Estados norte-americanos.

Mas Franks afirmou que hesita em se unir a Wittes no apelo por leis que tratem especificamente da extorsão sexual, delito que ela considera muito estreito, e que poderia tirar de vista os problemas de outras vítimas.

Em lugar disso, ela defende leis que tornem ilegal a distribuição ampla de imagens explícitas não consensuais, não importa de que maneira tenham sido obtidas. "Não precisamos reinventar a roda aqui", afirmou.

Wittes atribui a maior parte da responsabilidade aos fabricantes de webcams, que poderiam instalar coberturas em suas lentes que impediriam seu uso por hackers.

Ele também disse que as pessoas precisavam se proteger melhor, com senhas mais fortes e sistemas de autenticação dupla envolvendo envio de códigos a smartphones ou outros aparelhos.

"Você não pensa em adolescentes, ou mulheres jovens, como alvos atraentes de violação de segurança cibernética", diz. "Temos essa suposição mental de que on-line as coisas são diferentes, e de que os incentivos usuais não se aplicam. Mas pode confiar em mim: se aplicam, sim."

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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